Quem sabe fazer
tragédia? Quem sabe fazer teatro? Quem sabe assistir teatro?
Peep classic Ésquilo, de
Roberto Alvim, é um estudo sobre os textos antigos de Ésquilo. Apresentado em
três dias, o projeto encena todas as peças escritas pelo dramaturgo grego, ao
longo de três encenações. Fui convidado pelo blog do Poa em Cena a assistir a
terceira e última peça da trilogia proposta por Roberto Alvim, a encenação de
Oresteia I e II.
Na experimentação,
pode-se tudo. O teatro, assim como o aceitamos, desde a invenção da caixa
cênica, é constantemente testado, através de seus infinitos recursos, na busca
de se redescobrir o fazer teatral. Ora se opta pelo bruto, ora por inúmeras
camadas carregadas de significado, tudo em torno de fazer surgir o
“acontecimento”.
Mas quem sabe hoje como
se montava, ou assistia, uma tragédia grega no século V a.C? Ninguém que é
vivo nos pode contar; muito menos existem registros de fotos ou imagens. São
relatos, deduções e manuscritos históricos que nos levam a tentar reconstruir
artificialmente as condições em que as encenações destes textos eram
apresentadas. Eu creio que talvez houvesse máscaras, figuras gigantes, vozes
poderosas. Os atores deviam ser selecionados a dedos, com biotipos específicos.
O sol devia bater contra os olhos, nascendo atrás do palco, ofuscando a
plateia, criando a sensação de uma aura divina em torno do espaço de encenação.
O silêncio imperava sobre toda a plateia, de milhares de cidadãos. Do palco, só
se enxergava vultos. Tudo conforme os deuses queriam. Hum... Será que era
assim?
Eu, espectador do século XXI, 29 anos de
idade, realmente saí com muitas dúvidas sobre o objetivo das opções cênicas
realizadas pelo diretor, que me fizeram, simplesmente, não conseguir apreciar o
espetáculo. Não consegui ver o rosto dos atores, não consegui ver figurino, não
vi qualquer ação cênica que me remetesse a outro espaço (nem o grego), não
consegui ver o cenário. Não vi outra simbologia expressada a não ser pelas
palavras e pelo movimentar retilíneo, lento e direto dos personagens. Um
espetáculo todo feito na penumbra, com atores (ou melhor: suas silhuetas) se
movendo como bispos e peões em um tabuleiro. Ao fundo, uma luz fria ofuscando a
plateia. Como aquela mesma áurea divina.
De início, com aquela
luz e aquela densidade apresentada, achei que fosse ver um espetáculo
extremamente imagético, com o palco se transformando em verdadeiras paisagens.
Me excitei. Algo tipo Gertrude Stein. Acho que foi por isso que veio a
decepção, depois não aconteceu mais nada. Em certos momentos, me arrisquei a
fechar os olhos, pois pensei que talvez não houvesse nada para ser visto. E
então me lembrei das dublagens de filmes estrangeiros. Especialmente de desenhos
infantis. Vozes caricaturais se espalhavam pelo teatro, fazendo-me prestar
atenção muito mais nas variações e técnicas vocais dos atores do que
propriamente no texto. Não consegui me emocionar. Não consegui me envolver. Não
consegui observar as opções da tradução realizada. Mas eu realmente não entendo
nada de Tragédia, então essa opinião não deve ser levada tão em conta.
Mas então, eu me
pergunto: como fazer um texto clássico hoje? Não sei. Já vi algumas tragédias,
e, incrível, sempre gosto das encenações. Mas nesta, como não enxerguei nada, e
não me envolvi com as interpretações, não me empolguei. Acho que este trabalho
do imprescindível Roberto Alvim tem uma enorme relevância no campo da pesquisa
e investigação, deixando um belo legado para os aficionados pela temática
clássica. Mas, no ponto de vista de entretenimento, não foi das experiências
mais apaixonantes. Paciência, azar foi o meu.
* Gustavo Susin é ator e jornalista