terça-feira, 19 de outubro de 2010

Antônio Hohlfeldt

 
Teatro continua sendo bom espaço de debate

O 17º Porto Alegre Em Cena apresentou, nesta nova edição, uma multiplicidade de opções e de espetáculos que, se já é sua característica habitual, permitindo atender a todos os gostos e interesses dos espectadores que acorrem às filas de bilheteria e depois ainda ficam às portas dos teatros torcendo para que sobrem alguns espaços que lhes permitam assistir àquilo a que não puderam chegar por falta de bilhetes, reforça a força e a importância do teatro enquanto canal de comunicação e de reflexão a respeito da realidade humana. Luciano Alabarse e sua equipe merecem parabéns, não apenas pelos cuidados verdadeiramente profissionais que cercam toda a produção - desde a recepção às trupes até a presença de jornalistas especializados que vêm acompanhar à mostra - como a qualificação crescente da infra-estrutura viabilizada para receber os espetáculos.
Nesta edição, dentre os espetáculos internacionais presentes, comecei com enorme expectativa em torno de Happy days, publicada em 1961 em Nova Iorque (portanto, em inglês) e imediatamente traduzida para o francês e editada assim em 1963, versão que, na verdade, é a mais conhecida e de que Bob Wilson, apesar de norte-americano, se valeu, para a interpretação da atriz italiana Adriana Asti. Tenho memória de uma encenação tocante de Jean-Louis Barrault, para a interpretação de sua esposa Madeleine Reynaud, a que assisti em Paris, no Théâtre de La Gare. Era absolutamente diversa dessa: lá, o sol chapado batia sobre um monte de areia levada constantemente pelo vento, e a atriz estava inteiramente vestida de branco, inclusive a sombrinha. Foi uma versão poética e etérea, como parece ser a intenção de Samuel Beckett, o dramaturgo. Na encenação de Wilson, ao contrário, que respeita os dois atos do texto original, evidenciando que a personagem vai sendo gradualmente engolida pela terra que a aprisiona, a sugestão de pedras vulcânicas negras é bem mais ácida e cética, eu diria negativa, que nem mesmo a extraordinária performance cômica da intérprete consegue fazer esquecer. Já nos dias seguintes, podemos assistir ao divertido e maravilhoso Babau ou a vida desembestada do homem que tentou engambelar a morte, vindo do Recife, e que retoma a melhor tradição do teatro de mamulengo nordestino, com bonecos manipulados por cinco animadores, dentre os quais a autora da obra, Carla Denise.
Evidentemente, há os blockbusters como O idiota, do lituano Eimuntas Nekrosius, mas neste ano, especialmente, me dediquei a assistir a alguns espetáculos escolhidos a dedo. Por exemplo, tinha curiosidade em Lonesome cowboy, balé vindo da Suíça, com coreografia de Philippe Saire. Trata-se de uma peça ousada e eficiente, que exige um preparo físico extraordinário dos intérpretes. Um grande espaço coberto por areia é a base em que cinco intérpretes se alternam em funções de agressão e de defesa, representando diferentes papéis sociais ao longo da história. A precisão dos movimentos supre a duração relativamente pequena - não mais de uma hora de apresentação - em que os bailarinos mostram toda a sua possibilidade de expressão.
Mas aquela primeira semana terminaria com um espetáculo vindo da Argentina que, sem maiores pretensões, envolveu e cativou a todos. Na Sala Álvaro Moreyra, conhecemos Lila Monti e Dario Levin que, dirigidos por Lorena Veja, e com coreografia de Lucio Baglivo, encantaram e provocaram ao pequeno mas entusiasmado público. O espetáculo argentino - Cancionero rojo - mistura texto e a tradição do mimo: vestidos como palhaços, ele e ela se alternam em situações que se desdobram constantemente, num espetáculo que ora é cômico, ora terno ou até dramático. O inesperado é a constante e a criatividade a sua melhor definição. Para mim, aquela primeira semana teve neste trabalho seu melhor momento.
Mas começamos outra série de trabalhos. Neste segundo conjunto, destacaram-se, dentre outros, Um navio no espaço, espetáculo de Paulo José e a filha, a respeito da poesia de Ana César Cristina, e a montagem de Na solidão dos campos de algodão, a partir do texto de Bernard Marie-Koltès, dramaturgo contemporâneo ainda pouco conhecido no Brasil, mas que gradualmente vai sendo divulgado entre nós. O grupo carioca, dirigido por Caco Ciocler, fez um trabalho estupendo e logo se tornou um dos espetáculos referenciais.
Ao mesmo tempo, um grupo paulistano chamou a atenção com o inusitado da montagem de As troianas - Vozes da guerra. Mesclando o texto original de Eurípides a uma leitura atualizada da violência nazista da II Grande Guerra, o diretor Zé Henrique de Paula surpreendeu a todos com a proposta de encenação que se valeu de um idioma aparentemente inexistente, ainda que se parecesse com o alemão. Repetiu, aqui, experimento de alguns anos antes, de Antunes Filho, quando dirigiu um Chapeuzinho vermelho sem qualquer palavra dicionarizada. Aqui, os personagens são, de um lado, soldados nazistas e, de outro, mulheres judias. Todos falam um aparente idioma alemão, mas as frases não têm qualquer nexo. O que dá sentido à encenação é a própria encenação.
Naquela segunda semana voltamos a encontrar O grande inquisidor, texto que pela terceira vez chega ao Porto Alegre em Cena, desta vez em montagem brasileira de Rubens Rusche. O texto original de Dostoievski continua impactante, sem dúvida. A Argentina, enfim, apresentava aquele que provavelmente seja o espetáculo mais impactante, a partir do texto de Dib Carneiro Neto, com direção do argentino Miguel Cavia, Por tu padre. Na terceira e última semana da mostra, começamos com um engraçado e provocante texto espanhol de Jean Luc Lagarce, interpretado por Gerardo Begérez. O espetáculo encenado no Museu do Trabalho é inesperado. A partir de um "Manual de boas maneiras" da Baronesa Blanche Staffe, famosa socialite francesa do início do século XX, encena-se o texto profundamente irônico e cético a respeito da vida e da morte. O texto, editado em Portugal, junto com outros dois trabalhos do autor, faz uma espécie de releitura paródica e crítica do original. O que é modelo passa a ser crítica. Para Lagarce, nascer ou morrer constitui a verdadeira regra: nascemos porque somos produto de um relacionamento; e morremos porque tudo morre, na vida, dentro do ciclo vital. O difícil, contudo, é viver, e sobretudo viver dentro de regras, que tornam a vida artificial e falsa.
O texto é antológico, e o espetáculo é absolutamente perfeito. Vestido como uma grande dama do começo do século XX, Begérez jamais perde o ritmo ou o precário equilíbrio entre o travestimento com que inicia o espetáculo e o que está dizendo. Poderia escorregar para a simples anedota, mas à medida que o espetáculo avança e o personagem vai se desnudando, é também ao desnudamento da realidade, produzido pelo texto, o que assistimos. É raro que um dramaturgo consiga ser tão correto.  Mas Lagarce o consegue e, sem dúvida, muito devendo à correta decisão de um diretor que se preocupou sobretudo com a cuidadosa medida da interpretação, seguida com precisão por Gerardo Begérez. A semana final ainda nos reservava diversos trabalhos. Comecei assistindo a Los caballos, do dramaturgo uruguaio Mauricio Rosencof, em espetáculo dirigido por Ernesto Clavijo. Trata-se de um texto crítico, na linha do realismo socialista, mas ao mesmo tempo saudosista dos tempos dos velhos "gaúchos". Um casal de camponeses sem-terra enfrenta as dificuldades de levar a filha até o hospital da cidade, a doze horas de distância, a cavalo. Um velho revolucionário lunático; um adolescente que sonha com o heroísmo; e um casal em crise, cujo marido mente à esposa que comprou um caminhão para fazer transporte e que pretende mudar-se para a cidade. Do ponto de vista da dramaturgia, o texto é bem construído e a direção pontua com clareza os diferentes momentos do espetáculo. Mas a situação se arrasta (uma hora que parece muito mais) e em que pese o realismo de cada intérprete, todos altamente qualificados, o espetáculo não chega a envolver completamente o público. Foi, de tudo a que se assistiu, até aqui, o que mais deixou frustrado ao público. Nem a poeticidade de algumas situações consegue resolver certo tom discursivo, pretensamente denuncista, que caracteriza o texto. Também Kabul foi, de certo modo, frustrante. O grupo carioca Amok traz uma criação de Ana Teixeira e Stephane Brodt que pretende recriar a tragédia vivida hoje em dia pelo Afeganistão, após a guerra com a União Soviética e anterior à ocupação norte-americana. Para isso,coloca-se em cena dois casais: um deles é um homem mutilado de guerra, transformado em guardião de prisão e sua mulher, que morre aos poucos. De outro, um jovem casal, que perdeu tudo com o bombardeio da casa. Do ponto de vista da dramaturgia, a ideia é boa. O espetáculo é quase um documentário, mas desde o início já se sabe o que vai ocorrer. Algumas soluções técnicas, como a constante troca de ambientação cênica, não ajudam ao desdobramento do trabalho. Chega-se ao nível do dramalhão, que pouco convence. Quanto aHilda Hilst - O espírito da coisa, trata-se mais do que um recital de poemas e textos da escritora - já falecida - Hilda Hilst, de uma recriação de sua vida e de sua obra. O espetáculo é denso. A intérprete se envolve profundamente com a personagem, tanto que às vezes extrapola o equilíbrio necessário a um espetáculo teatral, e não a uma incorporação. De modo geral, o roteiro de Gaspar Guimarães alcança bons resultados e a direção de Ruy Cortez consegue dar veracidade ao trabalho interpretativo. Mas o espetáculo acaba se tornando longo, na medida em que não se sabe muito bem aonde se pretende chegar.
No domingo, último dia do festival, assistimos a In on it, de um grupo carioca que traz a revelação de um jovem dramaturgo canadense, Daniel MacIvor. O 17º Porto Alegre Em Cena, aliás, terminou em gala: a apresentação de Final de partida encheu os olhos e constituiu excelente contraponto ao outro Beckett que abrira a programação do festival. Quanto a In on it, do mesmo modo, arrancou demorados e entusiasmados aplausos. O título da peça, intraduzível, reflete, contudo, sua ideia: desdobramento de um tema e aprofundamento do mesmo. Frases brilhantes por trás de uma aparente simplicidade, que ferem a realidade ou arrancam poesia do instante imediato. Quanto ao elenco, simplesmente brilhante. Emilio de Mello e Fernando Eiras não apenas se equilibram perfeitamente quanto ocupam a cena toda, são precisos, pontuais, e dão vitalidade ao texto. Aliás, o texto seria um desastre sem dois bons intérpretes. 
Em síntese: o 17º Porto Alegre Em Cena garantiu diversidade acima do que tem ocorrido em anos anteriores. Pode ser que nem sempre o espetáculo teve a qualidade que se gostaria, mas o conjunto de peças apresentadas serviu para mostrar o que se pensa, o que se faz e o que se discute no mundo teatral, através de uma seleção mundial, a incorporação de algumas praças novas, como a Venezuela, a reiteração de bons espetáculos oriundos do Uruguai e da Argentina e, sobretudo, a variada e por vezes inesperada criação brasileira. Não falo nos trabalhos de Porto Alegre porque deles tenho me ocupado ao longo do ano.


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Iuri Wander #5: Hilda Hilst ou o espírito da coisa













Hilda “Furacão”

Domingo, penúltimo dia de festival, convidei uma amiga pra ir ao show da Ute Lemper e ela disse que já tinha ingresso pra ver Hilda Hilst. Botei na balança os dois espetáculos. Último tango em Berlim no teatro do SESI com ingressos esgotados, uma das poucas oportunidades pra ver um show desse nível com milhões de pessoas por lá ou Hilda Hilst no teatro do SESC com bem menos gente e a companhia da minha amiga? Fui ao teatro do SESC com dúvidas de arrependimento. No fim, me surpreendi! Com o espetáculo, é claro.

Sem conhecer nenhuma das inúmeras obras desta escritora brasileira, me senti um ignorante. Hilda Hilst (1930-2004) tem uma história e tanto. Nascida em Jaú, São Paulo, entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1948, saindo de lá em 1952 formada. Em 1966 mudou-se para a Casa do Sol, uma chácara perto de Campinas, onde hoje funciona o Instituto Hilda Hilst – Centro de Estudos Casa do Sol [http://www.hildahilst.com.br/]. Durante quase cinquenta anos escrevendo, Hilda recebeu os mais importantes prêmios literários do Brasil.

O espetáculo é uma biografia/homenagem que deu o prêmio APCA de melhor atriz, em 2009, para Rosaly Papadopol. Merecido. Preenchendo todo o espaço do palco com uma atuação de luxo, a atriz conversa com a plateia em vários momentos e consegue, com seu carisma, prender a atenção do público, alternando altos e baixos, risos e choros. O cenário é simples: uma árvore sem folhas, duas mesas, uma máquina de escrever (pouco utilizada), alguns livros e uma garrafa de vinho ou whisky. A voz em off de um dos maiores diretores do Brasil, Antonio Abujamra, no papel do pai de Hilda, da um ar sutil de respeito hierárquico.

O resultado é muito positivo. Acredito que mais pessoas, como eu, nunca tinham ouvido falar de Hilda Hilst e puderam saber um pouco da história desta escritora, despertando o interesse de procurar mais sobre essa grande mulher de personalidade forte.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Airton de Oliveira: Carmen de La Zone


Foto: Mariano Czarnobai / PMPA

Carmem, louca, mas nem tanto…

Um desafio proposto: escrever sobre um espetáculo. Difícil tarefa para quem jamais pensou nisto. Desafio aceito e aqui estou. O espetáculo Carmen de La Zone - A lenda urbana, vindo de Manaus. Fiquei com muita curiosidade para ver o que se está fazendo na cena teatral num outro extremo do país. Sim, pois fui pesquisar sobre o teatro amazonense e vi que as coisas acontecem e há bastante inconformismos com a política cultural e com o fazer teatral. Nada diferente de nós aqui no sul. Assistindo ao espetáculo no dia 25 de setembro, no teatro do Instituto Goethe, me deparei com estes questionamentos em cena. Me deparei com muitas informações que me deixaram bastante curioso para ter mais contato com a Amazônia, que eu não conheço. Vi que a diretora Norma Araújo, há anos atrás, viveu a personagem Carmem e, hoje, é muito popular por trabalhar como apresentadora de televisão. Vi que tem, anualmente, o Festival de Teatro da Amazônia, que premia os melhores do teatro da região amazônica. Vi que, em 2008, este texto de Sérgio Cardoso foi laureado com o prêmio de melhor texto no festival. E é justamente pelo texto premiado que inicio o comentário da peça Carmen de La Zone - A lenda urbana. Sergio faz um texto com a possibilidade de encenarmos em Manaus, em São Paulo e em Porto Alegre. Sim, pouco importa o lugar que o conflito de Carmem acontece, porque temos “Carmens” em quaisquer “La Zones”. E o autor é feliz quando localiza esta história num lugar chamado La Zone, mesmo falando dos inconformismos vividos pela população de Manaus. E, aí, acredito que o trocadilho La Zone com a Zona Franca de Manaus é muito pertinente. Toda a exploração não toma conhecimento e nem respeita a realidade dos nativos. Carmem transita entre realidade e fantasia. E texto e direção colocam este transitar a todo o momento no espetáculo, fazendo com que o espectador se pergunte se aquilo acontece na vida de Carmem ou se é coisa da loucura dela.

Falando da direção, acredito que a intenção de fazer um espetáculo despojado, sem cenário e procurando deixar o ambiente sujo em toda sua plenitude deixa a desejar, pois resulta num espetáculo esteticamente muito pobre. A intenção de palco limpo não convence, pois fica muito atrolhado de coisas que não são usadas e, não por isto, mas chega até (em vários momentos) a atrapalhar o deslocamento dos atores. O figurino, quando me é apresentado na abertura do espetáculo, me parece bem agradável e elaborado, mas não segue com a mesma unidade a partir da primeira cena. Uma pena, pois penso que deveria ser mais cuidado, o que contribuiria muito para o espetáculo.

O elenco tem muito potencial. Eu diria que é um elenco muito homogêneo, disponível e seguro, com uma ênfase maior para Eliezia de Barros (Carmem) como uma atriz visceral. Mas o que mais me incomoda no espetáculo é o uso de músicas da trilha do filme Sur, de Solanas, que é maravilhosa e, da mesma forma, interpretada por Roberto Goyeneche. Justamente por isto, é muito referencial, pelo menos para mim, a ambientação e a história do filme. Neste, a trilha contava a história e, estando no espetáculo, fica impossível não me remeter a sua origem. Creio que o espetáculo Carmen de La Zone - A lenda urbana mereceria uma trilha original. Pois o local – La Zone - ambientado para acontecer tudo, é muito original também.

Falar mais sobre um espetáculo que está na estrada me deixa feliz pela oportunidade de ter contato com uma montagem de lá do outro lado deste nosso “Brasilzão”. Ou será que o sul é que é o outro lado. Deixamos o bairrismo de lado e acolhemos nossos colegas. Que ótimo que eles estiveram aqui e espero que tenham gostado e voltem mais vezes. Parabéns Companhia Teatral Azuarte! Obrigado Porto Alegre em Cena!


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Texto: Sérgio Cardoso / Direção: Norma Araujo / Direção de atores: Francisco Carvalho / Elenco: Eliézia de Barros, Paulo Altallegre, Adailson Veiga e Júlia Soutelo / Direção de luz: Batata / Iluminação: Hely Pinto / Desenho de som: Ramon Gomes / Direção musical: Norma Araújo / Produção: Adailson Veiga / Duração: 1h30min / Classificação: 18 anos


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Airton de Oliveira é Bacharel em Interpretação Teatral pelo Departamento da Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ator, diretor, cenógrafo e produtor teatral atuante há vinte e dois anos. airton@teluricaproducoes.comwww.teluricaproducoes.com

Camilo de Lélis: o encerramento


Foto: Vilmar Carvalho

Blog do Poa em Cena - O sentido do discurso


A minha colega de trabalho – que é espectadora de teatro - me disse: “achei muito legal o blog do Poa em Cena pela possibilidade do diálogo entre os leigos e os profissionais da área”. Assim também me parece. O blog foi uma tribuna em que muitos puderam ocupar o púlpito que, normalmente, é destinado a apenas uma pessoa ou poucas. Isso possibilitou a melhor das descobertas: temos inteligência viva e diversificada nas artes cênicas da grande Porto Alegre.

Saber expressar o pensamento em palavras escritas é um exercício excelente para se organizar as próprias ideias e assumir a responsabilidade pela opinião manifestada, pois que, estando grafada, ela não se perde como palavras ditas ao vento, quando sempre se pode negar o que se disse. Penso que faz falta no nosso ambiente teatral – falta a ser suprida durante o ano todo e não apenas esporadicamente como é o caso do Festival Poa em Cena – uma conversação entre os profissionais das artes cênicas. Isso traria à baila o pensamento crítico necessário para democratizar muitas coisas que nos parecem impositivas ou que discordamos por um ou outro motivo.

Precisamos arejar a discussão, não basta culpar uma pessoa, ou grupo, por discordar do pensamento dominante em termos de organização e controle na vida cultural de nossa cidade. É muito simplificadora a visão de que uns fazem, outros reclamam. Há circunstâncias sócio-políticas na produção da cultura. Há também vicissitudes, concretas ou subjetivas, experimentadas pelos sujeitos que produziram e produzem arte; há histórias pessoais envolvidas, e isso deve ser levado em conta pela comunidade.

A razão sensível, que acolhe a necessidade de reconhecimento como o móvel principal do discurso artístico, deverá se impor à razão instrumental, que preconiza apoio apenas ao mais forte, articulado e esperto, sempre a levar vantagem em tudo. Sei que este pequeno discurso passará batido para a maioria que o ler, por não fazer sentido... E o sentido é tudo na vida. O sentido, porém não está posto, se constrói. O sentido do discurso, para que seja unidirecional e caudaloso, tem de agregar em sua correnteza os diversos afluentes, de outros cursos e outros sentidos.

Enfim, achei muito promissor o blog do 17° Poa em Cena. E, para você, colega, fez sentido?

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Camilo de Lélis, diretor de teatro, entre seus trabalhos destacam-se: O ferreiro e a morte, Macário, o afortunado, O estranho Senhor Paulo, A bota e sua meia e Mehrda, presidentas que foram agraciados com o Troféu Açorianos da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre em várias categorias. Seus trabalhos foram vistos em circulação por quase todo Brasil. No exterior, destacam-se as apresentações de Jacobina e de Mehrda, presidentas em Montevidéu (em 1996 e em 2001, respectivamente) e de O estranho Senhor Paulo em Buenos Aires (1997). A bota e sua meia apresentou-se na Alemanha, em 1998, e em Portugal, em 2003, dentro do Projeto Cena Lusófona. Em 2006, as encenações de Camilo de Lélis foram objeto da monografia Carnaval, encenação e teatro gaúcho, premiada no Concurso Nacional de Monografias Gerd Bornheim. A obra foi publicada em 2007, registrando em livro a contribuição desse encenador para o teatro. Dirige Milkshakespeare, espetáculo participante do 17º Porto Alegre em Cena.

Gilberto Fonseca: o encerramento


Foto: Jorge Scherer

Fim do Porto Alegre em Cena 2010

Acho que vários pontos positivos devem ser destacados e os responsáveis pelo sucesso parabenizados.

Primeiro quero destacar o blog do Em Cena. Não sei se a ideia foi do Rodrigo Monteiro, mas me parece que ele é quem administrava. Gostei demais do que vi e li por lá, além de textos bem escritos, a participação da classe comentando os espetáculos foi bastante produtiva e não deveria ser esse hábito abandonado. Desconheço outro festival que proporcione esse tipo de discussão. Ponto altíssimo da organização do evento (quem sabe tal ideia não vire um livro ou uma revista no futuro?). A equipe técnica do Teatro de Câmara (vou falar deste, pois é onde O avarento se apresentou, mas acredito que os demais tenham mantido a média), nossa produtora de palco, Maura, e o pessoal da produção que entrou em contato conosco (Grupo Farsa) foi sempre claro, atencioso, educado e profissional. Parabéns a todos esses também.

Como aspectos a melhorar ou a serem observados pela direção do Em Cena, chamo a atenção para o pouco público presente em alguns espetáculos do festival. O que teria acontecido? Lembro de que em outras edições os ingressos acabaram mais cedo e mesmo os espetáculos que não tinham lotação esgotada apresentavam bom público. Dessa vez, em pelo menos dois espetáculos que fui, a plateia estava a menos da metade da capacidade do teatro. Em outros, que acusavam ingressos esgotados, sobraram lugares. Ingressos demais distribuidos à gente que não vai? Entendo que haja a necessidade da cota dos patrocinadores, mas não deveriam estes confirmarem se vão ou não e os ingressos que sobrarem serem devolvidos à bilheteria?

Gostaria de destacar e somar forças a ideia de João de Ricardo de que o Prêmio Brasken adotasse outro formato, que a premiação em dinheiro destinada às categorias de ator, atriz, diretor e espetáculo fossem divididas entre os grupos selecionados, aumentando assim o cachê dos grupos locais (que é baixo). Pessoalmente, não entendo a parte competitiva do festival como algo positivo (e isso não é choro de quem não ganhou nada, afinal participamos e participaremos de outros festivais competitivos), pois não acho que isso "case" com o Em Cena, afinal os outros espetáculos participantes (nacionais e internacionais) não competem entre si.

Acho, também, que os responsáveis pela seleção deveriam se pronunciar de alguma forma e justificar, por exemplo, a seleção de um espetáculo tão ruim como Dr. Jeckyl & Mr. Hyde (que foi alvo de severas críticas). Ninguém entendeu como uma peça daquelas estava no Porto Alegre em Cena, sendo que faria feio em qualquer festival de teatro amador.

Sei que é fácil criticar quando não se está diretamente envolvido e não se conhece quase nada do trabalhão que é fazer funcionar um festival tão grande (e importante) quanto esse, mas entendam minhas observações como as de alguém que se orgulha desse evento e o admira muito.

Sinceros parabéns ao Luciano Alabarse, mentor e responsável por tudo isso.

Parabéns à Sandra Dani, homenageada.

A todos da equipe do festival e aos grupos locais, que fizeram bonito e, na maioria dos casos, apresentaram espetáculos tão bons (ou até melhores) que muitos dos convidados.

Que venha logo o próximo Em Cena (estarei na fila desde cedo).

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Gilberto Fonseca é Mestre em Artes Cênicas e diretor do Grupo Farsa. Dirige o espetáculo O avarento, participante do 17º Porto Alegre em Cena.