Foto: Mariano Czarnobai / PMPA
Carmem, louca, mas nem tanto…
Um desafio proposto: escrever sobre um espetáculo. Difícil tarefa para quem jamais pensou nisto. Desafio aceito e aqui estou. O espetáculo Carmen de La Zone - A lenda urbana, vindo de Manaus. Fiquei com muita curiosidade para ver o que se está fazendo na cena teatral num outro extremo do país. Sim, pois fui pesquisar sobre o teatro amazonense e vi que as coisas acontecem e há bastante inconformismos com a política cultural e com o fazer teatral. Nada diferente de nós aqui no sul. Assistindo ao espetáculo no dia 25 de setembro, no teatro do Instituto Goethe, me deparei com estes questionamentos em cena. Me deparei com muitas informações que me deixaram bastante curioso para ter mais contato com a Amazônia, que eu não conheço. Vi que a diretora Norma Araújo, há anos atrás, viveu a personagem Carmem e, hoje, é muito popular por trabalhar como apresentadora de televisão. Vi que tem, anualmente, o Festival de Teatro da Amazônia, que premia os melhores do teatro da região amazônica. Vi que, em 2008, este texto de Sérgio Cardoso foi laureado com o prêmio de melhor texto no festival. E é justamente pelo texto premiado que inicio o comentário da peça Carmen de La Zone - A lenda urbana. Sergio faz um texto com a possibilidade de encenarmos em Manaus, em São Paulo e em Porto Alegre. Sim, pouco importa o lugar que o conflito de Carmem acontece, porque temos “Carmens” em quaisquer “La Zones”. E o autor é feliz quando localiza esta história num lugar chamado La Zone, mesmo falando dos inconformismos vividos pela população de Manaus. E, aí, acredito que o trocadilho La Zone com a Zona Franca de Manaus é muito pertinente. Toda a exploração não toma conhecimento e nem respeita a realidade dos nativos. Carmem transita entre realidade e fantasia. E texto e direção colocam este transitar a todo o momento no espetáculo, fazendo com que o espectador se pergunte se aquilo acontece na vida de Carmem ou se é coisa da loucura dela.
Falando da direção, acredito que a intenção de fazer um espetáculo despojado, sem cenário e procurando deixar o ambiente sujo em toda sua plenitude deixa a desejar, pois resulta num espetáculo esteticamente muito pobre. A intenção de palco limpo não convence, pois fica muito atrolhado de coisas que não são usadas e, não por isto, mas chega até (em vários momentos) a atrapalhar o deslocamento dos atores. O figurino, quando me é apresentado na abertura do espetáculo, me parece bem agradável e elaborado, mas não segue com a mesma unidade a partir da primeira cena. Uma pena, pois penso que deveria ser mais cuidado, o que contribuiria muito para o espetáculo.
O elenco tem muito potencial. Eu diria que é um elenco muito homogêneo, disponível e seguro, com uma ênfase maior para Eliezia de Barros (Carmem) como uma atriz visceral. Mas o que mais me incomoda no espetáculo é o uso de músicas da trilha do filme Sur, de Solanas, que é maravilhosa e, da mesma forma, interpretada por Roberto Goyeneche. Justamente por isto, é muito referencial, pelo menos para mim, a ambientação e a história do filme. Neste, a trilha contava a história e, estando no espetáculo, fica impossível não me remeter a sua origem. Creio que o espetáculo Carmen de La Zone - A lenda urbana mereceria uma trilha original. Pois o local – La Zone - ambientado para acontecer tudo, é muito original também.
Falar mais sobre um espetáculo que está na estrada me deixa feliz pela oportunidade de ter contato com uma montagem de lá do outro lado deste nosso “Brasilzão”. Ou será que o sul é que é o outro lado. Deixamos o bairrismo de lado e acolhemos nossos colegas. Que ótimo que eles estiveram aqui e espero que tenham gostado e voltem mais vezes. Parabéns Companhia Teatral Azuarte! Obrigado Porto Alegre em Cena!
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Texto: Sérgio Cardoso / Direção: Norma Araujo / Direção de atores: Francisco Carvalho / Elenco: Eliézia de Barros, Paulo Altallegre, Adailson Veiga e Júlia Soutelo / Direção de luz: Batata / Iluminação: Hely Pinto / Desenho de som: Ramon Gomes / Direção musical: Norma Araújo / Produção: Adailson Veiga / Duração: 1h30min / Classificação: 18 anos
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Airton de Oliveira é Bacharel em Interpretação Teatral pelo Departamento da Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ator, diretor, cenógrafo e produtor teatral atuante há vinte e dois anos. airton@teluricaproducoes.com – www.teluricaproducoes.com
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