quarta-feira, 26 de maio de 2010

Psicose 4h48

Sara Kane (Inglaterra – 1971-1999) estava fazendo 28 anos quando escreveu “Psicose 4h48”. Alguns dias depois, seu corpo foi encontrado no hospital onde a já conhecida dramaturga estava internada. Há quem diga que o enforcamento se deu com as toalhas do seu quarto. Outros, os cadarços de seu All Star. Sua última peça é seu quinto texto e compõe uma obra que tem sido muitas vezes encenada na Europa e no mundo na última década. Talvez, o mais interessante do universo de Kane seja a dúvida que paira na cabeça de quem assiste a uma de suas peças: é ficção ou é realidade? É o desabafo de uma pessoa que (é) está doente ou o virtuosismo de uma artista? "4.48 Psychosis" é um amontoado de diálogos sem nome. O desafio da produção é investigar esse texto contemporâneo desde a forma e esse é outro aspecto interessante de qualquer montagem de Kane. A narrativa é fragmentada, não-linear trazendo à tona o universo de uma mente perturbada, depressiva, profunda tida por muitos como chocante e até obscena. A produção da montagem brasileira que virá ao 17º Porto Alegre em Cena comenta que não é incomum pessoas saírem no meio da sessão conturbadas pela situação sufocante.

Urgência. Estamos todos doentes desse distúrbio individual que nos faz escravos do discurso que criamos sobre nós mesmos ou que criam a nosso respeito. Talvez dos sonhos que não vemos realizados ou das fantasias que se quebram. Nunca um relacionamento de uma semana fez tanto sentido aos solteiros e causou tanta dor. Nunca o não envio de um email, o status de bloqueado no Facebook ou 150 caracteres teve tanto poder. A solidão real versus os perfis II e III porque não cabem mais amigos no perfil I do Orkut é o drama moderno de todas as idades, dos Irmãos Karamazov, passando pelos Irmãos Coragem, chegando nos Irmãos Cohen. Todos compartilham de um lado da mesma realidade, um elemento da mesma ficção, (a)o mesmo tempo. 4h48min é horário em que a maioria dos suicidas morrem. E talvez esse seja, numa longa e inesgotável lista, um dos motivos que fazem com que o texto de Sara Kane seja tão significativo hoje.

Rosana Stavis e Marcelo Bagnara são os atores que assumiram as falas do texto de Kane na produção dirigida por Marcos Damaceno. Uma produção rígida que proporciona a dose de sarcasmo, de gargalhadas e de hostilidade que o texto requer para sua atualização.Os silêncios e a angústia presentes na cadeira de rodas e na projeção de pensamentos da protagonista: detalhes que são imperdíveis por quem assiste a essa montagem que estreou em 2004.

Para encerrar, citamos o próprio diretor:

"Psicose 4h48 é expedição a uma região da mente que a maior parte de nós preferiria nunca visitar, mas da qual muitas pessoas nunca escapam. Aqueles que por ela são apanhados ficam normalmente sem voz.
Que a peça tenha sido escrita enquanto a autora sofria uma das crises de depressão, que é uma condição destrutiva e não criativa, é um ato de generosidade. Que a peça seja tenha sido bem sucedida artisticamente é positivamente heróico.
O suicídio coloca sempre uma questão, e o suicídio de um escritor deixa material que os vivos podem apenas ler atentamente à procura de respostas. Inevitavelmente, a sombra da morte de Kane recairá sobre suas peças. Mas o desafio para o leitor das últimas peças de Kane não é descobrir a autora que está por detrás das palavras, mas sim, atentar sobre o que há de nós por detrás dessas peças."


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Ficha Técnica:

Texto: Sarah Kane
Tradução: Laerte Melo
Direção: Marcos Damaceno

Elenco:
Rosana Stavis
Marcelo Bagnara

Sonoplastia: Vadeco
Iluminação: Nadja Naira e Fábia Regina
Figurinos: Maureen Miranda
Design Gráfico: Foca
Foto: Chico Nogueira
Realização: Marcos Damaceno Companhia de Teatro






Duração: 1h15min



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