segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pterodátilos por Matheus Melchionna Diello

Nicky Silver?*

No dia 18 de setembro, estava marcada a sessão que eu iria assistir de Pterodátilos. A peça, dirigida por Felipe Hirsch, era uma das principais atrações do 18º POA Em Cena, todo mundo estava ansiosíssimo para assistir a montagem do diretor para o texto de Nicky Silver, dramaturgo contemporâneo americano. E pode-se dizer que o que menos se viu na encenação foi o texto original, mesmo que o texto adaptado pelo diretor seja a melhor coisa da peça.
Não que eu esteja desmerecendo o fabulo cenário de Daniela Thomas, muito menos a luz muito bem feita por Beto Bruel – dos quais já falo –, mas enquanto assistia à peça, as palavras que eram ditas me vinham com um peso, uma acidez incomodativa. A peça retrata a história de uma família que entra em crise após o filho voltar para casa depois de anos longe, revelando que está com AIDS. Nessa família, existe uma mãe alcoólatra, um pai distante, uma irmã louca e o seu noivo, que também é a empregada. As relações se mostram distorcidas, os diálogos são ágeis e por muitas vezes cheio de ironia e humor negro, onde mora o erro da montagem. O diretor optou por transformar o texto em uma comédia fácil, abusando das expressões “engraçadas”, e também em uma peça onde um ator teria mais destaque que os outros: Marco Nanini.
Ele fazia dois personagens – o pai e a irmã – e por causa disso, vários momentos de interação desses personagens foram cortados, o que também enfraqueceu o texto. E por fazer um personagem feminino, só de entrar em cena, já garantia a gargalhada do público, que estava extremamente risonho no dia - era até um pouco constrangedor que em momentos mais pesados houvesse risadas em diversos pontos da platéia. Talvez por causa disso, o outro personagem que Nanini fazia sempre que entrava parecia apagado, sem vida. Faltava alguma coisa ali.
Os outros atores estavam bem, principalmente Marina Lima, que cada vez mais se destaca como uma das melhores atrizes de sua geração. A sutileza com que ela constrói a mãe que não se preocupa com seus filhos, alcoólatra e extremamente viciada nas aparências é impressionante. Os que menos se destacavam era o noivo, que não aparecia muito, e ironicamente, o filho, que no texto seria o protagonista. Ele cumpre a sua função muito bem, mas parecia que faltava algum entrosamento das suas ações com o resto, principalmente na hora de tirar o chão do cenário. A metáfora do título do texto – pterodátilo, um dinossauro extinto, e a família – perde-se completamente, pois os ossos que estão escondidos debaixo das folhas secas da plataforma não são mostrados completamente e parecem apenas decoração.
Essa plataforma, junto com os sofás em cima da mesma, eram o cenário. Ela tinha uma função interessante: se inclinar durante toda a peça, desequilibrando os atores. Como efeito estético, é muito bonito ver isso em cena, o problema é que logo na sua primeira inclinação, ela começava paralela ao solo, já tinha alcançado toda a sua possibilidade de inclinação, ou seja, não iria mais trazer surpresa ao público. E mesmo a sua inclinação era pouca, ainda trazendo comodidade ao atores caminhando em cena, que se fosse para realmente mexer com as estruturas dessa família, seria preferível a inclinação ir aumentando aos poucos até um grau onde seria realmente impossível de caminhar.
Tanto a plataforma, quanto os sofás, também o piso e a parede atrás de tudo isso, tem um tom metalizado, industrial. Os figurinos também seguem essa linha sóbria, cheio de preto, branco e cinza – as únicas cores são a saia roxa da filha e o figurino do filho, todo marrom. A luz, que tem uma montagem interessante, de troca de focos, é essencialmente branca, trazendo mais desse clima para o espectador. Tudo converge para um mesmo símbolo, o que pode ser interessante, depende de quem está assistindo. A única exceção é quando a filha, já morta, volta para falar com o público e aí se utiliza o refletor sem o difusor, deixando a sua luz amarelada em cima da mesma, trazendo então mesmo a sensação que estamos a falar com o passado, pois acostumado com a luz branca, essa luz amarela modifica a percepção e tudo parece enevoado.
No fim da peça, há um monólogo do filho, enquanto sua mãe bebe e o noivo é mostrado morto, com uma luz fluorescente piscante e nesse clima sombrio, acaba por ser introduzida a mensagem da peça, um pouco tardiamente. Nesse momento, o teatro é silêncio, nada se escuta a não ser o ator e o barulho do ar-condicionado - parece que finalmente é percebida a natureza ácida do texto.
Infelizmente, Felipe Hirsch parece ter errado a mão ao transformar a peça em nada mais que entretenimento barato, sem mostrar essa família realmente se destruindo, tudo conseqüência dos seus cortes no texto e inserção de outros textos do mesmo dramaturgo, mas mesmo com tudo isso, o que mais chama em sua montagem é o texto e as suas tiradas satíricas de humor negro.
* Matheus Melchionna Diello é estudante do Departamento de Arte Dramática da UFRGS

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