Universo feminino: estamos numa nave espacial a conhecer os planetas, os astros, os asteróides que o compõe. Qualquer coisa que se apresente dizendo se tratar de um universo (entre tantos) informa aquele que o visita sobre a importância de descobrir. Olhos atentos, pois estaremos investigando. Mas já não conhecemos (as) mulheres? Elas podem ser nossas mães, nossas colegas, nossas namoradas, professoras, amigas, vizinhas de porta. Podemos encontrar com elas em qualquer lugar, até mesmo no espelho, mas em “Antígonas” olharemos para elas como se nunca as tivéssemos visto. Porque essa experiência de olhar para o outro é, na verdade, um meio de produzir um jeito de olhar para nós mesmos sob um ponto de vista nunca dantes usado. “Antígonas” não fala de mulheres. Mas nos ajuda a ter um olhar feminino para olhar para nós mesmo, mulheres ou não.
Entre a complexidade e a imensidão do que há de feminino no nosso próprio universo, a produção argentina dirigida por Leonor Manso nos mostra a relação entre a constituição do ser mulher e o enigma. O misterioso, o proibido, aquilo que está além das fronteiras, da compreensão, da sorte, da razão e do sentimento. Não há como desvendar um enigma sem acabar com ele, sem destruí-lo. As quatro histórias que nos são contadas, ao longo dos 60 minutos de espetáculo, esgueiram-se pelo enigma, mas não se aproximam dele, não o destroem. Se a melhor forma de valorizar a fala é silenciar, beirar o mistério é valorizá-lo. O espectador, diante dessas narrativas, provoca, atende, busca o desconhecido e dele se serve. Mas não o resolve. Não o destrói. O mistério é sempre renovado e presente.
Ingrid Pelicori e Claudia Tomás, cada uma com um currículo que deixa ver mais de trinta anos dedicado ao teatro, ao cinema e à televisão de seu país, são o universo que essa história não mais que coteja. Duas atrizes, duas mulheres. Nada mais visto como tudo isso. Suas presenças em pontos específicos do palco apontam para suas ausências em outros pontos do mesmo lugar cênico. Os personagens que elas interpretam nos questionam sobre os personagens que não surgem nas histórias. As cores que vemos nos perguntam a respeito das cores que não vemos. A luz convive com a sombra. A instransponível regra creôntica de não poder enterrar o irmão Polinices, também filho de Édipo, na tragédia Sófocles, olha para a jovem Antígona e lhe provoca. Ao atravessá-la, dando descanso ao corpo morto, Antígona viva se sacrifica. Apenas pode estar num lugar, quem não está em nenhum outro. Não há meia vida, tampouco meia morte. No entanto, a mulher como universo consegue ser onipresente porque também pode ser oniausente. Alberto Muñoz ( 3º Poa em Cena: "Los Ultimos Días de Johnny Weissmuller"/7º Poa em Cena: "Abel Cazador de Cain"), homem, não menos renomado que as atrizes e diretora, ao recuperar o clássico construindo dramas contemporâneos, nos mostra a intersecção que foge ao maniqueísmo, à dualidade do bem e do mal, do aqui e do acolá, e nos fala da complexidade de cada dia de hoje e de amanhã. Algo que não entendemos, mas que vivenciamos.
A sensibilidade não está no texto, como também não está na escolha do elenco. O feminino não está no universo, ou então pensaríamos não haver também universo masculino. O sutil, e belo, está na direção de Leonor Manso, que foi para voltar e contar o que viu. Agora, e desde a estréia que aconteceu no último outubro em Buenos Aires, nos leva a conhecer esse lugar feminino, com já dissemos, tão cheio de planetas, astros, asteróides. Quando uma personagem sai de um lugar e vai para outro, sua falta lá é vista por quem investiga. Sua presença aqui é sentida por quem ouve. Assim, a poética de “Antígonas”, espetáculo cuja assistência é um convite do 17º Porto Alegre em Cena, está no trato da matéria humana como universo sem planícies nem caminhos, sem montes nem lagos. A existência como lugar não-lugar que se concretiza no movimento da voz, no deslize pelas situações, na interpretação de quatro histórias que se substituem e se trocam sendo diferentes, na desritualização do cotidiano pela ritualização do comum,na marca que morre hoje mas seguirá viva amanhã.
Percorre o espetáculo um som que nos lembra o ruído advindo de um caracol. Um caracol que sente saudades do mar e que não tem medo de impô-lo a quem o escuta em terra. O mar está em todo lugar, mesmo que à espreita do mistério que está por trás dessa presença sua que não vemos. Mas sentimos.
Ficha Técnica:
Texto: Alberto Muñoz
Elenco: Ingrid Pelicori e Claudia Tomás
Cenário: Leonor Mans
Realização Cenográfica: A & B Realizaciones Escenográficas
Desenho de Luz e Som: Pedro Zambrelli
“Cuencos”: Maia Mónaco
Canção Original “Bye Bye Maciel”
Letra: Alberto Muñoz
Música: Alberto Muñoz e Diego Vila
Piano: Diego Vila
Figurino: Elsa Keller
Fotografia: Magdalena Viggiani
Assistente de direção e produção executiva: Carolina Cacciabue
Direção Geral: Leonor Manso
Duração: 60 minutos.
Estreou 05 de outubro de 2010.
Entre a complexidade e a imensidão do que há de feminino no nosso próprio universo, a produção argentina dirigida por Leonor Manso nos mostra a relação entre a constituição do ser mulher e o enigma. O misterioso, o proibido, aquilo que está além das fronteiras, da compreensão, da sorte, da razão e do sentimento. Não há como desvendar um enigma sem acabar com ele, sem destruí-lo. As quatro histórias que nos são contadas, ao longo dos 60 minutos de espetáculo, esgueiram-se pelo enigma, mas não se aproximam dele, não o destroem. Se a melhor forma de valorizar a fala é silenciar, beirar o mistério é valorizá-lo. O espectador, diante dessas narrativas, provoca, atende, busca o desconhecido e dele se serve. Mas não o resolve. Não o destrói. O mistério é sempre renovado e presente.
Ingrid Pelicori e Claudia Tomás, cada uma com um currículo que deixa ver mais de trinta anos dedicado ao teatro, ao cinema e à televisão de seu país, são o universo que essa história não mais que coteja. Duas atrizes, duas mulheres. Nada mais visto como tudo isso. Suas presenças em pontos específicos do palco apontam para suas ausências em outros pontos do mesmo lugar cênico. Os personagens que elas interpretam nos questionam sobre os personagens que não surgem nas histórias. As cores que vemos nos perguntam a respeito das cores que não vemos. A luz convive com a sombra. A instransponível regra creôntica de não poder enterrar o irmão Polinices, também filho de Édipo, na tragédia Sófocles, olha para a jovem Antígona e lhe provoca. Ao atravessá-la, dando descanso ao corpo morto, Antígona viva se sacrifica. Apenas pode estar num lugar, quem não está em nenhum outro. Não há meia vida, tampouco meia morte. No entanto, a mulher como universo consegue ser onipresente porque também pode ser oniausente. Alberto Muñoz ( 3º Poa em Cena: "Los Ultimos Días de Johnny Weissmuller"/7º Poa em Cena: "Abel Cazador de Cain"), homem, não menos renomado que as atrizes e diretora, ao recuperar o clássico construindo dramas contemporâneos, nos mostra a intersecção que foge ao maniqueísmo, à dualidade do bem e do mal, do aqui e do acolá, e nos fala da complexidade de cada dia de hoje e de amanhã. Algo que não entendemos, mas que vivenciamos.
A sensibilidade não está no texto, como também não está na escolha do elenco. O feminino não está no universo, ou então pensaríamos não haver também universo masculino. O sutil, e belo, está na direção de Leonor Manso, que foi para voltar e contar o que viu. Agora, e desde a estréia que aconteceu no último outubro em Buenos Aires, nos leva a conhecer esse lugar feminino, com já dissemos, tão cheio de planetas, astros, asteróides. Quando uma personagem sai de um lugar e vai para outro, sua falta lá é vista por quem investiga. Sua presença aqui é sentida por quem ouve. Assim, a poética de “Antígonas”, espetáculo cuja assistência é um convite do 17º Porto Alegre em Cena, está no trato da matéria humana como universo sem planícies nem caminhos, sem montes nem lagos. A existência como lugar não-lugar que se concretiza no movimento da voz, no deslize pelas situações, na interpretação de quatro histórias que se substituem e se trocam sendo diferentes, na desritualização do cotidiano pela ritualização do comum,na marca que morre hoje mas seguirá viva amanhã.
Percorre o espetáculo um som que nos lembra o ruído advindo de um caracol. Um caracol que sente saudades do mar e que não tem medo de impô-lo a quem o escuta em terra. O mar está em todo lugar, mesmo que à espreita do mistério que está por trás dessa presença sua que não vemos. Mas sentimos.
Ficha Técnica:
Texto: Alberto Muñoz
Elenco: Ingrid Pelicori e Claudia Tomás
Cenário: Leonor Mans
Realização Cenográfica: A & B Realizaciones Escenográficas
Desenho de Luz e Som: Pedro Zambrelli
“Cuencos”: Maia Mónaco
Canção Original “Bye Bye Maciel”
Letra: Alberto Muñoz
Música: Alberto Muñoz e Diego Vila
Piano: Diego Vila
Figurino: Elsa Keller
Fotografia: Magdalena Viggiani
Assistente de direção e produção executiva: Carolina Cacciabue
Direção Geral: Leonor Manso
Duração: 60 minutos.
Estreou 05 de outubro de 2010.
3 comentários:
Interessante, mas quem escreveu?
Oi, Guilherme! Todos os textos de apresentação dos espetáculos, como é o caso, foram escritos pela coordenação do blog, ou seja, eu. A(s) crítica(s) desse espetáculo ainda não chegou(aram). Mas chegará(ão) em breve e você é convidado para escrever uma também.
Manda pra mim: blogemcena@gmail.com
Abraços,
Rodrigo
I always inspired by you, your opinion and attitude, again, appreciate for this nice post.
- Norman
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