O francês Bernard Marie-Koltès tinha 38 anos quando escreveu, em 1986, seu maior sucesso, “Na solidão dos campos de algodão”, dirigido pela primeira vez por Patrice Chereau. Falava de encontros. Deles falava também em 1996, no 3º Porto Alegre em Cena, dirigido por Gilberto Gawronski. Também em 2002, dirigido por Paulo José, na 9ª edição do nosso festival. Nesse ano, dirigido por Caco Ciocler, o texto não falará de chegadas. Como nunca falou em todas célebres montagens do texto mundo afora.
O cenário de Bia Junqueira expressa esses encontros de uma forma muito inteligente. Cinco gangorras dispostas em cena em paralelo. Os dois personagens, sobre os quais não sabemos e nem queremos saber qual busca e qual é buscado, quem vai e quem segue, corre ou percorre, equilibram-se nesse palco suspenso e apoiado. Para que um esteja no alto, o outro precisa estar embaixo. E a possibilidade da fuga de um dos dois faz o jogo ser findável. Talvez o encontro permaneça não pela distancia da chegada, mas pelo medo de que o encontro termine. E o subir e descer desse palco quíntuplo, à guisa do que diz o texto, concorda com a fluidez existente nos olás e adeus que trocamos com desconhecidos, amigos de anos, irmãos.
Os encontros não carecem de materialidade. Koltès se foi prematuramente há mais de vinte anos, mas, com ele, a Leal e Valerosa Cidade de Porto Alegre continua se encontrando. Namoradas de outros anos, vez que outra, surgem na memória. A poltrona do velho pai ainda está na sala. A primeira nota vermelha em Educação Física grita na lembrança. Os encontros existem, atormentam, trazem paz. E o encontro de hoje é a possibilidade da existência de algo no amanhã.
O diálogo nessa solidão de campos de algodão, feito entre os atores Armando Babaioff (O Santo e a Porca/Gota d’água, direção de João Fonseca) e Gustavo Vaz (Por trás do céu, direção de Sóh), ou entre o Dealer e o Cliente, fala sobre a possibilidade de algo, a existência visível de fertilidade para algo. Uma mesa limpa é a possibilidade do pó. O um é a possibilidade do dois. O alto tem, em si, o baixo. O início é meio se pensarmos que, antes dele, vem o fim. Não sabemos quando começou a história. Mas, começada, há a possibilidade do seu fim. É, na possibilidade do possível, nas dobras de significação, que estão o cerne do sentido, a força do vínculo. Um personagem deixou seu olhar cair sobre o outro. O outro leu como convite. O movimento da retina tinha, em sua dobra, a possibilidade do convite. O outro veio atrás do um. O olhar foi o encontro.
E, se essa montagem, cujas críticas fazem dele um dos melhores espetáculos do ano na seleção da revista Bravo!, e o 17º Porto Alegre em Cena, um dos mais bem qualificados eventos teatrais do planeta encontrarem você é porque a possibilidade do encontro não foi desperdiçada. E não interessa saber quanto tempo esse encontro vai durar. Mas, sim, que um veio atrás do outro. E ambos atrás de você.
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Ficha Técnica:
De Bernard Marie-Koltès
Direção: Caco Ciocler
Com Armando Babaioff e Gustavo Vaz
Cenário: Bia Junqueira
Figurinos: Amanda Carvalho
Iluminação: Rodrigo Portella
Música composta e desenho de som: Felipe Grytz
Assistente de direção: Pablo Sanábio
Direção produção: Liliana Montserrat e Damiana Guimarães
Sonorização:Rossini Maltoni
Fotografia: Sérgio Baia
Classificação etária: 16 anos
Duração do espetáculo: 90 minutos
Um comentário:
Uma peça maravilhosa!!!
O jogo de palavras entre o cômico e a linguagem dramática , pra mim é o ponto alto. O cenário inusitado das gangorras nos faz refletir sobre nossas vidas nos momentos de altos e baixos.Amei!!
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