segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Sua Incelença, Ricardo III por Adriane Mottola

 Sua Incelença, Ricardo III*
Duas décadas depois de estontear o teatro brasileiro com o Romeu e Julieta do Grupo Galpão, que resgatava as origens populares de Shakespeare em montagem para a rua, o diretor Gabriel Vilela retorna ao bardo inglês em parceria com o grupo potiguar Clowns de Shakespeare. Diretor inventivo, Vilela cria pontes entre a cultura popular brasileira e o universo elisabetano e imprime em Sua Incelença, Ricardo III as suas marcas mais conhecidas: teatralidade barroca, apelos frequentes ao imaginário brasileiro, figurinos exuberantes e riqueza de detalhes.
O grupo Clowns de Shakespeare de Natal, com 17 anos de trajetória, desenvolve um trabalho de pesquisa teatral com foco na presença cênica do ator, musicalidade da cena e do corpo e no teatro popular. Numa escolha em que encenaria a sua primeira peça não cômica – o drama histórico Ricardo III - o grupo é desafiado por Vilela a trazer o vilão shakespeariano para o universo lúdico do picadeiro do circo, encenando Ricardo III ao ar livre, bem ao gosto do teatro elisabetano, numa montagem que une sarcasmo, humor e ironia.
Ao carnavalizar a ascensão e queda de Ricardo III, em sua trajetória de assassinatos e traições rumo à coroa da Inglaterra, a encenação de Vilela dilui o trágico e ganha em apelo popular (sem cair no popularesco). Para que as 4h da primeira leitura do texto pelo grupo se transformem na 1h15min que dura a montagem, a linguagem cênica complementa a dramaturgia enfatizando a narrativa visual ao “tempero” de uma trilha sonora que mescla as incelenças (cantigas típicas do Nordeste, geralmente ligadas a rituais fúnebres) com citações de bandas como Queen e Supertramp.
O diálogo entre as tramas da Inglaterra elisabetana e a realidade do sertão nordestino perpassa toda a obra: cenografia, figurino e sotaque caracterizam o Nordeste, Ricardo III é retratado como coronel sertanejo, personagens shakespearianos são transformados em cangaceiros e ciganas, numa miscelânea criativa que ainda reserva lugar para uma rainha-mãe cover do Fred Mercury, uma Lady Anne travestida que impede que o espectador acesse a cena através do romantismo e Daydream cantada por um coro de palhaços.
Sua Incelença, Ricardo III tem o mérito de tratar o clássico shakespeariano com liberdade e frescor, atingindo o espectador com tiro certeiro, inebriado pelos requintes da montagem. Shakespeare em estado puro!
* Adriane Mottola é encenadora

Um comentário:

Jaécia Bezerra de Brito disse...

Sou do interior do Rio Grande do Norte e tive o prazer de ver essa produção; as diversas linguagens artísticas são dignas de nota; trabalho impecável