quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A mulher que matou os peixes por Bia Noy


O espetáculo francês dirigido por Bruno Bayen tem uma grande pretensão: colocar no palco uma personagem que representaria nossa grande Clarice Lispector. Se já encontramos dificuldades em adaptar seus textos e personagens para a cena, imaginemos colocar ela, a própria criadora, ali, no meio do turbilhão de seus pensamentos. Tarefa nada simples, mas que, em momentos, consegue se concretizar, revelando toda a grandiosidade que povoa o universo de Lispector.
Para tal, o diretor escolheu, com maestria, trechos de crônicas publicadas por Clarice, as quais se encontram reunidas no livro A descoberta do mundo.
A escrita de Clarice não respira. Em um só fluxo ela se consome e consome quem a lê. Num ritmo incessante onde até o silêncio das personagens é absorvido por questões que beiram a filosofia e o cotidiano, o leitor mergulha com a autora até sufocarem-se.
No palco, Bayen propõem um ritmo uniforme em que as variações entre os pensamentos introvertidos e extrovertidos não são o suficientemente fortes para cativar por completo a atenção do leitor/espectador ávido por ver Clarice no palco. O texto quase que ininterrupto se torna uma melodia constante, nas quais as poucas rupturas e surpresas são muito bem acolhidas pelo público.
A personagem construída pela atriz Emmanuelle Lafon consegue, em momentos precisos e poéticos, criar o impacto e a ambivalência que regiam a figura de Lispector. Por vezes amarga, vaidosa, infantil, frágil, forte e cruel, a atriz nos apresenta sim, uma das tantas Clarices que compunham Clarice.
Simples e funcional, o cenário era composto por alguns adereços cênicos, contudo poderia haver um aproveitamento mais dedicado. A iluminação fazia uso de algumas projeções que proporcionavam ao conjunto cênico situações inspiradoras.
A visão do grupo francês sobre Clarice é uma adaptação que, somente por estar difundido os pensamentos esguios da nossa, ouso dizer, maior escritora, vale o prazer de se sentar em uma sala de teatro e apreciar frases do tipo: “Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar?” ou ainda “Sonhei que um peixe tirava a roupa e ficava nu”. Mérito nosso compartilhado  pela brasileirinha Lispector e deles, por um olhar interessante e visivelmente apaixonado por Clarice.
 
* Bia Noy é atriz e doutoranda em Letras pela UFRGS
 

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