O
espetáculo francês dirigido por Bruno Bayen tem uma grande pretensão: colocar
no palco uma personagem que representaria nossa grande Clarice Lispector. Se já
encontramos dificuldades em adaptar seus textos e personagens para a cena,
imaginemos colocar ela, a própria criadora, ali, no meio do turbilhão de seus
pensamentos. Tarefa nada simples, mas que, em momentos, consegue se
concretizar, revelando toda a grandiosidade que povoa o universo de Lispector.
Para
tal, o diretor escolheu, com maestria, trechos de crônicas publicadas por
Clarice, as quais se encontram reunidas no livro A descoberta do mundo.
A escrita de Clarice não respira. Em
um só fluxo ela se consome e consome quem a lê. Num ritmo incessante onde até o
silêncio das personagens é absorvido por questões que beiram a filosofia e o
cotidiano, o leitor mergulha com a autora até sufocarem-se.
No palco, Bayen propõem um ritmo
uniforme em que as variações entre os pensamentos introvertidos e extrovertidos
não são o suficientemente fortes para cativar por completo a atenção do
leitor/espectador ávido por ver Clarice no palco. O texto quase que
ininterrupto se torna uma melodia constante, nas quais as poucas rupturas e
surpresas são muito bem acolhidas pelo público.
A personagem construída pela atriz
Emmanuelle Lafon consegue, em momentos precisos e poéticos, criar o impacto e a
ambivalência que regiam a figura de Lispector. Por vezes amarga, vaidosa,
infantil, frágil, forte e cruel, a atriz nos apresenta sim, uma das tantas
Clarices que compunham Clarice.
Simples e funcional, o cenário era
composto por alguns adereços cênicos, contudo poderia haver um aproveitamento
mais dedicado. A iluminação fazia uso de algumas projeções que proporcionavam
ao conjunto cênico situações inspiradoras.
A visão do grupo francês sobre
Clarice é uma adaptação que, somente por estar difundido os pensamentos esguios
da nossa, ouso dizer, maior escritora, vale o prazer de se sentar em uma sala
de teatro e apreciar frases do tipo: “Como sentir com a frescura da inocência o
sol vermelho se levantar?” ou ainda “Sonhei que um peixe tirava a roupa e
ficava nu”. Mérito nosso compartilhado
pela brasileirinha Lispector e deles, por um olhar interessante e
visivelmente apaixonado por Clarice.
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