quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Zezé Motta por Mirna Spritzer


Zezé Motta, negra e encantadora melodia
 
Iniciar com música as peripécias do Porto Alegre Em Cena é muito bom. A música entra de forma direta pelos nossos poros, pela nossa alma, não dando tempo para que a gente interfira muito nas sensações. Para quem, como eu, encantou-se com a ousadia de Zezé Motta como Xica da Silva, e acompanhou sua trajetória de atriz e artista engajada no melhor sentido que isto tem, vê-la em cena cantando Melodia e Macalé é um presente.
Se no início o ritmo ainda não parecia desenhar-se com clareza, como se palco e plateia estivessem se estudando para ver o que estava por vir, a partir do momento em que a atriz cantante confessa sua relação de amor e ódio com o traje, parece que todos respiram aliviados e se soltam. Zezé espalha-se pelo palco, ri, gargalha e encanta.
Uma voz profunda, visceral e ao mesmo tempo sob o domínio absoluto da intérprete, percorre a malemolência de Luiz Melodia e a crueza de Jards Macalé. Zezé sabe tudo dos dois e de si em suas canções.
Um espetáculo simples, de palco despojado abrigando um trio de músicos que sabe estar presente e deixar brilhar. É em Vapor barato, de Salomão e Macalé que atingimos o ápice do show. Ó sim, eu estou tão cansado, mas não pra dizer... Aí então não tem mais volta. Fomos abduzidos pelo sorriso aberto, pelo canto grave, pela presença sensual e plena de Zezé. Antes que ela própria se confessasse contente com o show, eu já havia pensado que ela estava completamente feliz de estar onde está. Ali é seu lugar no mundo. As músicas assim percorrem um caminho que a deixa cada vez mais enraizada, mais potente. Se alguém quer falar-me de amor que me fale...

Pérola negra no bis, e o encerramento com Senhora liberdade fazem com que a gente saia do show com vontade de sair caminhando pela noite fria do Bom Fim, pensando em Abre as asas sobre nós, senhora Zezé Motta!
 
* Mirna Spritzer é atriz e professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS