domingo, 15 de setembro de 2013

Extasis por Tainah Dadda



Reconhecido por filmes como Segredos e mentiras, Topsy-Turvy, O segredo de Vera Drake, entre outros, o autor e diretor de cinema e teatro Mike Leigh chegou aos palcos do 20º Porto Alegre Em Cena através da premiada montagem de seu texto Extasis, dirigida pelo uruguaio Jorge Denevi.
A encenação realista de Denevi parece optar por fundamentar e extrair sua força exatamente da obra do cineasta britânico, pródigo em levar à cena a classe operária de seu país. Em Extasis não é diferente:  vemos quatro amigos de juventude, assolados pela falta de perspectiva na Inglaterra de Margaret Thatcher, se reunirem numa noite fria de sexta-feira para beber.
A situação socioeconômica é pano de fundo, mas à medida em que a embriaguez se instala e cresce, os personagens deixam entrever que a frustração e o vazio de suas vidas ultrapassam questões financeiras.
O que transcorre ao longo de quase duas horas, entre as paredes falsas e o mobiliário decadente do cenário, não é somente o retrato de uma classe social, é também o desenho de um quadro emocional e intrincado sobre a passagem do tempo e as inevitáveis sensações e questionamentos que ela acarreta a qualquer pessoa, a partir de determinada etapa de vida.
E, para isso, o elenco é fundamental e preciso, compondo personagens sólidos, carismáticos, que transitam entre situações cômicas de forte comunicação com o público (especialmente Félix Correa e seu bêbado e saliente Mick), densos silêncios e momentos repletos de amargura como Marina Rodriguez, intérprete da protagonista Jean, desempenha com desenvoltura e equilíbrio.
Se sobressaem ainda Alicia Alfonso e sua potente voz, e Gustavo Alonso, como o traumatizado amigo que retorna ao convívio dos demais após anos distante. Mesmo Pablo Dive e Guadalupe Pimienta, que fazem aparições menores como o parceiro de sexo casual de Jean e sua esposa enfurecida, contribuem com energia para revelar o cotidiano desgastado e triste em que se inserem todos os personagens.
Dentro os elementos da encenação, se destaca a trilha sonora que, em princípio, é mais presente como sonoplastia, criando uma paisagem sonora urbana que costura as cenas, indicando o correr dos dias. Esse recurso é empregado na porção inicial da peça, e após isso, a trilha se faz presente através de canções de Dolly Parton e Elvis Presley, que os personagens ouvem em um toca discos, rememorando idos tempos.
Contudo, apesar de toda empatia que o elenco desperta, junto da delicada construção dramatúrgica de Leigh, talvez o espetáculo em nada tivesse a perder se fosse mais conciso. A cena final, melancólica como se poderia prever, coloca Jean deitada em sua cama (idem à primeira cena). O cansaço, sintoma da desesperança dos personagens, também se reflete na inquietação de alguns  espectadores.
Ao fim e ao cabo, é no programa do espetáculo que uma citação de Mike Leigh resume a ação transcorrida: “A vida é trágica e cômica. A vida é profunda e ridícula, triste e alegre, é assim".
 
* Tainah Dadda é encenadora

 

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