Reconhecido por filmes como
Segredos e mentiras, Topsy-Turvy, O segredo de Vera Drake, entre outros,
o autor e diretor de cinema e teatro Mike Leigh chegou aos palcos do 20º Porto
Alegre Em Cena através da premiada montagem de seu texto Extasis, dirigida
pelo uruguaio Jorge Denevi.
A
encenação realista de Denevi parece optar por fundamentar e extrair sua força
exatamente da obra do cineasta britânico, pródigo em levar à cena a classe
operária de seu país. Em Extasis não é diferente: vemos quatro amigos de juventude, assolados
pela falta de perspectiva na Inglaterra de Margaret Thatcher, se reunirem numa
noite fria de sexta-feira para beber.
A situação socioeconômica é pano de fundo, mas à medida em que a embriaguez se
instala e cresce, os personagens deixam entrever que a frustração e o vazio de
suas vidas ultrapassam questões financeiras.
O
que transcorre ao longo de quase duas horas, entre as paredes falsas e o mobiliário decadente do cenário, não é somente o retrato de uma classe social,
é também o desenho de um quadro emocional e intrincado sobre a passagem do
tempo e as inevitáveis sensações e questionamentos que ela acarreta a qualquer
pessoa, a partir de determinada etapa de vida.
E,
para isso, o elenco é fundamental e preciso, compondo personagens sólidos,
carismáticos, que transitam entre situações cômicas de forte comunicação com o
público (especialmente Félix Correa e seu bêbado e saliente Mick), densos
silêncios e momentos repletos de amargura como Marina Rodriguez, intérprete da
protagonista Jean, desempenha com desenvoltura e equilíbrio.
Se
sobressaem ainda Alicia Alfonso e sua potente voz, e Gustavo Alonso, como o
traumatizado amigo que retorna ao convívio dos demais após anos distante. Mesmo
Pablo Dive e Guadalupe Pimienta, que fazem aparições menores como o parceiro de
sexo casual de Jean e sua esposa enfurecida, contribuem com energia para
revelar o cotidiano desgastado e triste em que se inserem todos os personagens.
Dentro
os elementos da encenação, se destaca a trilha sonora que, em princípio, é mais
presente como sonoplastia, criando uma paisagem sonora urbana que costura as
cenas, indicando o correr dos dias. Esse recurso é empregado na porção inicial
da peça, e após isso, a trilha se faz presente através de canções de Dolly
Parton e Elvis Presley, que os personagens ouvem em um toca discos, rememorando
idos tempos.
Contudo,
apesar de toda empatia que o elenco desperta, junto da delicada construção
dramatúrgica de Leigh, talvez o espetáculo em nada tivesse a perder se fosse
mais conciso. A cena final, melancólica como se poderia prever, coloca Jean
deitada em sua cama (idem à primeira cena). O cansaço, sintoma da desesperança
dos personagens, também se reflete na inquietação de alguns espectadores.
Ao
fim e ao cabo, é no programa do espetáculo que uma citação de Mike Leigh resume
a ação transcorrida: “A vida é trágica e cômica. A vida é profunda e ridícula,
triste e alegre, é assim".
* Tainah Dadda é encenadora
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