sábado, 21 de setembro de 2013

Emoções luminosas- Fragmento I- Reflexos mutantes por Jacqueline Pinzon

 
Imagem-Luz

             A arte da criação da luz de um espetáculo é frequentemente interpretada como  uma ação de caráter transmedial, onde o iluminador se ocupa de traduzir em radiações luminosas as ideias e atmosferas concebidas pelo encenador. O que não é pouca coisa, diga-se de passagem. Ocupando-se da arte de criar iluminação para diferentes eventos artísticos há mais de vinte anos, a iluminadora cênica Cláudia de Bem quer ir além do contexto de um espetáculo. Invertendo a equação, se assessora de outros artistas (como fazem os diretores de teatro) mas para interferirem criativamente em seu trabalho. Muito mais do que simplesmente encenar uma narrativa qualquer, o que De Bem parece desejar, com sua instalação Emoções luminosas- Fragmento I- Reflexos mutantes, é explorar outras fronteiras de seu ofício, criando e chamando a atenção  para as especificidades e possibilidades da linguagem que escolheu  para se expressar no mundo. Partindo do pressuposto que se tornou conhecida como iluminadora, a artista abandona a ideia de criar uma iluminação para uma determinada montagem e traz para o centro a discussão acerca da luz  não-aplicada à cena ou seja, a luz em si.
            Resultado de inúmeras horas de captação de imagem e posterior edição primorosa da própria artista, a obra vista durante o Porto Alegre Em Cena 2013 configura-se numa marcante experiência óptica. O trabalho de Cláudia se configura através de  diferentes estratos de luz (e seu duplo indissociável, a sombra); de  imagens videográficas  (que nada mais são que também luz); da presença intencionalmente sombreada da figura humana - Thais Petzhold em performance contemporânea e delicada, acrescidos de  engenhosas intervenções musicais, fruto da trilha original de Monica Tomasi. Frente a tudo isso e, liberados da perspectiva fabular da síntese dramática, a experiência  da fruição do audiovisual nos faz mergulhar numa sensorialidade desnarrativa, onde experimentamos desde uma certa calma e até a excitação acelerada dos batimentos cardíacos.
            Isso tudo, sem contarmos o fato de estarmos assistindo a esta instalação num teatro bem conhecido de nossa cidade, a Sala Álvaro Moreyra. De fato, ao chegarmos lá (afinal de contas, um teatro) e nos depararmos com o ambiente todo às escuras e a projeção em “looping”,  não sabemos se entramos, esperamos “algo” acabar, ou se sentamos. Mas logo descobrimos que não há assentos, a nossa velha Álvaro Moreyra agora é uma arquibancada escurecida e transmutada em uma instalação.
            Se tudo mais nesta obra de Cláudia de Bem já não fosse encantador, só pela escolha e tratamento dado ao local, Cláudia já estaria de parabéns. Parabéns por nos mostrar as potencialidades desta “black-box” lançada inicialmente como um auditório, mas que se tornou um espaço fundamental para as artes cênicas da cidade. Assim, a artista marca duplo tento, tanto em nos mostrar  condições expressivas da luz enquanto  matéria luminosa de valor em si, como pelo fato de nos fazer repensarmos as possibilidades das artes cênicas em nossa cidade em relação às transformações tecnológicas oferecidas pelo século XXI.
 
* Jacqueline Pinzon é atriz, encenadora e pesquisadora teatral. Atualmente é professora substituta do Departamento de Arte Dramática da UFRGS

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