domingo, 8 de setembro de 2013

Esta criança por Camila Bauer


O espetáculo Esta criança, da Cia Brasileira de Teatro, traz a Porto Alegre mais um texto do prestigiado dramaturgo francês Jöel Pommerat, recentemente levado ao palco gaúcho com o espetáculo Estremeço, da Cia Stravaganza.
Esta criança se constrói ao longo de dez cenas independentes entre si e que frequentemente não possuem começo nem fim, situando-se no clímax de cada ação, apresentando fragmentos de conflitos que criam um discurso temático unificador – próprio dos procedimentos dramatúrgicos de Pommerat – nesta peça centrado nas relações entre pais e filhos.
A bem-sucedida direção de Marcio Abreu aponta para um espetáculo onde os diferentes elementos da cena são de fundamental importância para a composição da peça como um todo. Pequenas dissonâncias que ampliam o real fugindo de qualquer tentativa realista: atores dizendo o texto de costas para o público, textos ditos no escuro ou “fora da luz”, luz na plateia em diversos momentos, não proporcionalidade dos objetos em relação ao espaço cênico, trocas de figurinos diante do público enquanto outra cena já se esboçava, uso de microfones, etc. Cabe destacar o início do espetáculo, quando uma futura mãe (Renata Sorrah) começa a falar no escuro sua “carta de intenção” como mãe e a luz vai pouco a pouco revelando seu rosto. Na cena seguinte, ela aparece como uma menina de 5 anos sentada em uma cadeira alta afirmando com uma frieza e sinceridade quase cômicas que não se importa de não voltar a ver seu pai (Ranieri Gonzalez), sentado em uma cadeira pequena e baixa, numa bonita inversão de papéis.
O trabalho dos quatro atores que se multiplicam em mais de vinte personagens chama a atenção pela agilidade com que essas mudanças ocorrem, dando a impressão de que estamos diante de um elenco maior, mostrando o quão afinados eles estão. A versatilidade da atuação centra-se muito nos diferentes modos de dizer o texto, que ajudam na composição destes personagens sem nome, caracterizados pelo seu papel social (mãe, pai, filho, policial, etc.). O espetáculo apresenta cenas tocantes em seu absurdo próprio da vida real, como quando uma mãe (Giovana Soar) coloca seu bebê no colo de um vizinho (Edson Rocha) e lhe dá de presente o seu filho para que ele e sua esposa (que não podem ter filhos) possam criá-lo. Igualmente, a cena em que uma mãe precisa fazer o reconhecimento de corpo daquele que pode ser seu filho, ganha força por meio das risadas nervosas das atrizes que contagiam a plateia em um momento de grande tensão.
A primorosa iluminação criada por Nadja Naira, que deixa o palco muitas vezes na penumbra, mostrando apenas as silhuetas dos atores que vão pouco a pouco se revelando, contribui de modo decisivo para a estética do espetáculo. A luz se desenha sobre o cenário criando diferentes nuances de espaço que geram as atmosferas próprias para cada cena. A utilização de recursos sonoros também colabora para a construção do universo ficcional da peça. A cena em que Giovana Soar representa uma mulher dando à luz a um bebê é toda construída com sonoridades gravadas, que se equalizam com os corpos dos atores no palco. Assim, temos um espetáculo integrado no qual os diferentes elementos da cena acabam sendo de vital importância à construção do todo, sustentando com êxito uma dramaturgia fragmentada e complexa.
 
* Camila Bauer é encenadora e professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS 

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