Ilha dos amores, ou tire a roupa, mas não se molhe
Sexta-Feira 13 é um dia
diferente, ao menos no fabulário popular. Então resolvi, também, ter uma
experiência teatral diferente e fui ver o que se passava no Arroio Dilúvio, na
esquina da Borges com a Ipiranga. O evento era a performance do grupo Falos & Stercus, comemorando seus 22
anos de ousadia cênica. Um teatro com tradição de ser provocativo e provocador.
O lado provocador da
equipe, eu já conhecia, inclusive já houve problemas com a polícia, com a Brigada
Militar etc. O lado provocativo, eu tive, desta feita, a oportunidade de
experimentar.
A encenação ao ar livre,
com a luz de fim-de-tarde, era uma coreografia em duplas ou solos ou trios,
com atores e atrizes seminus ou mesmo totalmente desnudos. Chamava-se ILHA DOS AMORES – UM DIÁLOGO SENSUAL COM A
CIDADE. O público - cerca de 800 pessoas - sentava-se, confortavelmente, na
borda superior da rampa que levava à plataforma inferior, onde o desempenho
artístico evoluía. Um público voyeur. Às
vezes, se manifestava com aplausos e gritos, devido a alguma coisa que eu,
ainda, não podia saber o que era. Pensei
- vejamos mais de perto. Ao me aproximar, vi um casal de atores que me convidava
a descer até o nível deles. A plateia se
manifestava a me estimular a ousadia - afinal, é fácil se enforcar com o
pescoço alheio. Tenho um duplo esquizoide (que me possui, sempre que assisto
montagens do Zé Celso Martinez Correa), entreguei minha vida nas mãos dele. Vamos - decidi - seja o que Baco quiser.
Tirar a roupa em público
- na rua - não é coisa que se possa dizer que é fácil. É certo que os atores
do grupo têm preparo psicológico, talvez até uma psicanálise grupal para
superar tais desafios. Mas um pobre
mortal, como eu, só no desvario dionisíaco. E quem estuda os ritos, sabe que
esse deus Dionísio enlouquece as pessoas. Como eu disse, o meu núcleo
esquizoide se entregou e deixou que quatro mãos o despissem - o núcleo “sadio”
observava de longe, a alguns pés acima do corpo.
O que aconteceu foi
bastante rápido, mas demoníaco. Deixei-me levar, não exatamente por um idílio
bucólico à beira de um riachinho na ilha dos amores, mas por uma experiência
regressiva aos tempos da vida cavernícola, num passado longínquo, quando os
grandes macacos disputavam fêmeas e territórios, à beira de águas lodacentas, nos
pauis primordiais.
Resolvi escrever esta
crônica para agradecer a oportunidade de intensa vivência proporcionada pelo
grupo Falos & Stercus, sob
direção de Marcelo Restori e, principalmente, a dupla Fábio Cunha, muito
experiente no controle da situação, que poderia se desencaminhar para a
violência, já que o meu tal duplo esquizoide é borderline e extremamente violento, quando em situações de estresse
extremo - e a atriz Carol Martins que demonstrou verdadeira entrega emocional, numa situação que
poderia fugir ao controle.
Tirar a roupa em público, tocar outros corpos nus, tudo pode se tornar uma vivência teatral. Desde que não se perca a referência da realidade. Isto é, tire a roupa, mas não se molhe.
* Camilo de Lélis é encenador
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