sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Ilha dos amores- um diálogo sensual com a cidade por Camilo de Lélis



Ilha dos amores, ou tire a roupa, mas não se molhe
 
Sexta-Feira 13 é um dia diferente, ao menos no fabulário popular. Então resolvi, também, ter uma experiência teatral diferente e fui ver o que se passava no Arroio Dilúvio, na esquina da Borges com a Ipiranga. O evento era a performance do grupo Falos & Stercus, comemorando seus 22 anos de ousadia cênica. Um teatro com tradição de ser provocativo e provocador.
O lado provocador da equipe, eu já conhecia, inclusive já houve problemas com a polícia, com a Brigada Militar etc. O lado provocativo, eu tive, desta feita, a oportunidade de experimentar.
A encenação ao ar livre, com a luz de fim-de-tarde, era uma coreografia em duplas ou solos ou trios, com atores e atrizes seminus ou mesmo totalmente desnudos. Chamava-se ILHA DOS AMORES – UM DIÁLOGO SENSUAL COM A CIDADE. O público - cerca de 800 pessoas - sentava-se, confortavelmente, na borda superior da rampa que levava à plataforma inferior, onde o desempenho artístico evoluía. Um público voyeur.  Às vezes, se manifestava com aplausos e gritos, devido a alguma coisa que eu, ainda, não podia saber o que era.  Pensei - vejamos mais de perto. Ao me aproximar, vi um casal de atores que me convidava a descer até o nível deles.  A plateia se manifestava a me estimular a ousadia - afinal, é fácil se enforcar com o pescoço alheio. Tenho um duplo esquizoide (que me possui, sempre que assisto montagens do Zé Celso Martinez Correa), entreguei minha vida nas mãos dele. Vamos - decidi - seja o que Baco quiser.
Tirar a roupa em público - na rua - não é coisa que se possa dizer que é fácil. É certo que os atores do grupo têm preparo psicológico, talvez até uma psicanálise grupal para superar tais desafios.  Mas um pobre mortal, como eu, só no desvario dionisíaco. E quem estuda os ritos, sabe que esse deus Dionísio enlouquece as pessoas. Como eu disse, o meu núcleo esquizoide se entregou e deixou que quatro mãos o despissem - o núcleo “sadio” observava de longe, a alguns pés acima do corpo.
O que aconteceu foi bastante rápido, mas demoníaco. Deixei-me levar, não exatamente por um idílio bucólico à beira de um riachinho na ilha dos amores, mas por uma experiência regressiva aos tempos da vida cavernícola, num passado longínquo, quando os grandes macacos disputavam fêmeas e territórios, à beira de águas lodacentas, nos pauis primordiais.
Resolvi escrever esta crônica para agradecer a oportunidade de intensa vivência proporcionada pelo grupo Falos & Stercus, sob direção de Marcelo Restori e, principalmente, a dupla Fábio Cunha, muito experiente no controle da situação, que poderia se desencaminhar para a violência, já que o meu tal duplo esquizoide é borderline e extremamente  violento, quando em situações de estresse extremo - e a  atriz Carol Martins que demonstrou verdadeira entrega emocional, numa situação que poderia fugir ao controle.
Tirar a roupa em público, tocar outros corpos nus, tudo pode se tornar uma vivência teatral. Desde que não se perca a referência da realidade. Isto é, tire a roupa, mas não se molhe.
* Camilo de Lélis é encenador

Nenhum comentário: