domingo, 18 de setembro de 2011

Amar por Elisa Lucas

Amar: Ali eu vi o mar*

Para comentar sobre o espetáculo argentino Amar, dirigido por Alejandro Catalán, poderia falar dos poucos e bem usados recursos, que ficavam quase imperceptíveis e compunham uma moldura cinematográfica, das lanternas que recriavam os ambientes onde personagens expunham frustrações e desejos, do escuro e do som do mar, conseguido através de um instrumento feito com várias garrafas PET cheias de grãos de arroz e lentilhas dentro; ou ainda da direção limpa, pontual e sutil de Catalán, mas vou focar na interpretação crível e orgânica dos atores.
Desde edições anteriores do Porto Alegre em Cena, vem me chamando a atenção o trabalho dos atores argentinos. Venho de uma escola que poderia chamar de “física”. Formei-me no DAD (Departamento de Arte Dramática) e durante a faculdade participei de uma pesquisa prática de Análise de Movimento. Esse contato com o treinamento físico em alguns momentos me provocava questionamentos: via atores movendo o cotovelo de trás pra frente, mas que não sabiam dizer um texto, ou ainda, parafraseando Yoshi Oida, executavam com virtuose o movimento de mostrar a lua, mas não me deixavam ver a lua.
Em Amar, eu vi a lua. A lua não, eu diria que vi o mar. Vi, senti, presenciei os conflitos que com o minimalismo da direção me eram expostos com a sutileza e a crueldade da vida. O crescimento dramático de cada personagem e, consequentemente, dos atores no decorrer da obra, é de uma maestria belíssima. Uma aula de teatro. Ou seria de cinema? A organicidade e a naturalidade são tão grandes e tão humanas que o espectador consegue sentir-se na pele daqueles personagens e pensar sobre eles. Também consegue rir com aquele recorte de relacionamentos frustrados e sonhados e com tudo que pode despencar nas nossas vidas em uma simples e corriqueira noite de drinks, ou como se diz em castelhano: una noche de copas.
Lorena Vega, que ano passado esteve no festival como atriz na montagem Reflejos e como diretora em Cancionero rojo, agradando em ambas as funções, mostrava de forma gigantesca as frustrações e dores da mulher beirando os 40 que almeja a maternidade. Por outro, o crescimento da personagem da namoradinha de 26 anos é absurdo, aparentemente uma “sonsa” com braços caídos, quase sem expressão no início do espetáculo, e de repente um vulcão nasce dentro dela. Em questão de minutos, seus olhos estão banhados em lágrimas, no centro do palco, quase colada nos expectadores da primeira fila. Mas isso não ocorre de forma exagerada ou melodramática, é como se estivesse acontecendo ali, naquele momento, tudo tão inteiro e tão de verdade, quase um filme ao vivo.
Os personagens masculinos, às vezes parecendo indiferentes, também sufocam frustrações. Aquele que está em um relacionamento há mais tempo se interessa pela jovenzinha, na busca por algo perdido, mas depois sugere à companheira a compra de um barco. O consumismo pode suprir a falta de algo que não sabe exatamente o que é.
Nesse espetáculo, que participou de alguns festivais como o Fiesta Caba 2010 e o VIII Festival Internacional de Buenos Aires (FIBA), Catalán aprofunda a problemática em torno ao que chama de “el imaginario actoral”, onde aborda a atuação como um jogo mágico e radical. Sem dúvida, um excelente trabalho. Cheio de vida e de dor sutil.
* Elisa Lucas é atriz

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