Mensagem dentro de uma garrafa*
“...Deus é o rei dos ausentes, e nem por isso você é capaz de dizer que ele não exista...O que não quer dizer absolutamente nada.” – última frase de O púcaro búlgaro, de Campos de Carvalho.
Saí do Theatro São Pedro e fiz a pé as poucas quadras até minha casa. Pensei no caminho. Pensei sobre a peça A lua vem da Ásia, adaptada do texto homônimo de Walter Campos de Carvalho. Ao chegar, corri à biblioteca e catei, sofregamente, o volume com sua obra reunida. O livro estava lá, empoeirado, com marca-páginas denunciando minhas interrupções. Porque eu não conseguira ler até o fim aquele autor, tão famoso a ponto de ser comparado a Henry Miller?
Agora, através do Teatro, que é minha atividade eletiva, pude reconhecer meu trauma: tudo que está ali, naquele livro, revela-me, a ponto de assustar-me. Só vendo/ouvindo, em cena, através de um ator, pude suportar a grandeza daquele escritor.
Que interessante, as duas peças, que Moacir Chaves traz, sob sua direção, ao Poa em Cena, têm algo em comum: o assassinato da lógica convencional. Em Labirinto, a loucura escreve a realidade, em A lua vem da Ásia, a realidade escreve a loucura. O diretor soube tratar estes sujeitos e seus objetos (quando a loucura escreve, ou quando a escrita enlouquece), mostrando duas encenações completamente distintas.
Sobre Labirinto, já escrevi minhas impressões num comentário ao texto que Rodrigo Monteiro instalou no blog do Poa em Cena, é só conferir. Sobre esta peça, A lua vem da Ásia, tenho, também, poucas coisas a referir.
A direção foi exemplar na utilização de um palco descarnado para dar espaço à exuberância imaginativa do texto. Digo descarnado, pois usou, como adjuvantes do ator, alguns poucos “utensílios”, além de textos gravados e imagens projetadas. Os utensílios (claro, por serem, realmente, úteis) estavam somando. Já as projeções, às vezes, subtraiam, por grafismos descritivos, redundantes. Outras vezes, ajudavam o exercício pictórico do surrealismo, que, enfim, sempre associamos à loucura. Associação não direta, mas transversal, metafórica, como na belíssima cena final, em que vemos a lua cheia. Lua dos poetas e/ou dos suicidas. Quanto às narrações...Bem, creio que o diretor, por experiente, sabe que voz gravada é um perigo. Distancia. Falseia. Desmerece a inteligência do criador, por ser solução óbvia e facilmente executável. Narrativa em “off” e projeção de filmes, não acrescentam carne à linguagem quadridimensional do tablado. Quase sempre a vida, presente na cena, é suspensa, para dar espaço a esses zumbis (filmes, gravações, etc). Porém, isso é coisa minha. Há públicos sem melindres, que nem se dão conta da mistura de linguagens, nem fazem balanço da economia conceitual empregada numa encenação.
Falando em economia, que maravilha ver um ator que, sozinho, incendeia a cena: Chico Diaz. O resto é o silêncio em minha caminhada de volta para casa, depois da peça. Disso não posso falar, logicamente.
* Camilo de Lélis é encenador
Um comentário:
Faltou teatro e sobrou texto.
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