Carlos Careqa- Alma boa de lugar nenhum*
Fui ver o espetáculo “Alma boa de lugar nenhum” de Carlos Careqa e saí do Instituto Goethe com a certeza de que música e interpretação são irmãs gêmeas bivitelinas. Dependendo do conteúdo artístico, da loucura, do devaneio, a música por si só, não representa por inteiro uma ideia. Precisa-se de mais. Aí vem o complemento da interpretação do artista. Carlos Careqa é da estirpe de artistas que a música e o elemento cênico fazem parte do seu ser. É bastante influenciado pela turma da "Vanguarda Paulista" que mudou os rumos e formou uma espécie de contra-cultura paulistana, como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Língua de Trapo e etc. Muito talentoso, é capaz de prender o público facilmente pelo bom posicionamento vocal e ótimas composições. O espetáculo em questão traz na sua essência uma espécie de crônica filosófica do mundo atual. Com doses de deboche e poesia, acompanhado do pianista Paulo Braga do início ao fim no palco e Letícia Sabatella, com intervenções cênicas e musicais, que aliás, pra mim, é uma revelação como cantora e compositora. E ainda teve a participação de Hique Gomez no violino, que já tinha participado com o seu Tangos & tragédias do primeiro disco de Careqa, aumentando ainda mais a dose de talento e a atmosfera cômica no palco. Cantaram e interpretaram algumas canções do disco que dá nome ao espetáculo e outros números musicais que enriqueceram muito a exibição. A apresentação ainda teve Letícia Sabatella interpretando muito bem a canção Geni e o zepelim de Chico Buarque e Nanna’s Lied de Kurt Weill e Bertolt Brecht; teve Careqa cantando dentro da caixa ressonadora do piano, fazendo bons duetos com Paulo Braga, dançando e interagindo com o público. Além da canção que dá nome ao disco e espetáculo, destaco Estou cheio de arte, que diz: “estou cheio de arte, arte até o pescoço, tô guardando pro almoço, o que não comi no jantar”. Duplo sentido, metáforas e muita reflexão fazem da arte de Carlos Careqa umas das mais firmes e criativas manifestações de um artista brasileiro. Ao final o público ainda pediu bis e foi presenteado com Guaraná Jesus, baita releitura pra canção Chocolate Jesus de Tom Waits, que está num excelente disco chamado À espera de Tom de 2008, que reúne versões e reversões de Waits.
Um belo espetáculo do Porto Alegre Em Cena e um presente para o público. Com certeza amplia-se o horizonte no quesito montagem de espetáculos musicais com intervenções cênicas que são tão raros na cidade.
* Oly Jr. é músico
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