Ainda há esperança para o teatro! Mas e para a humanidade?*
Dois perdidos numa noite suja, de Plínio Marcos! É um texto conhecido, pesado, cru, violento como a maioria dos textos do dramaturgo santista. Trata da história de dois párias de uma sociedade desde aquela época (1966) excludente, que continua criando monstros como os dois personagens da peça. Monstros humanos, que já tiveram sonhos e desejos, esperanças e vontade de lutar, mas foram vencidos; ou desistiram. Sem protagonistas e/ou antagonistas o texto promove uma troca de status constante, contínua, sem deixar que escolhamos um agente pra torcer: se às vezes Paco nos cativa com a tentativa de ser artista, o apego desesperado de Tonho à esperança de sair “dali”, de sair “daquilo” também nos toca. A miséria deles não é como a nossa, mas é miséria igual. Infelizmente a escolha do como sair daquela situação também não é novidade e num ato de desespero um crime é cometido. Seguido de outro e...Sem nos mostrar uma saída ou dar-nos falsas esperanças acerca do futuro da humanidade o autor termina a peça.
A montagem deste texto que o Porto Alegre Em Cena trouxe este ano é um primor, dirigida por André Garolli é de uma simplicidade espetacular, aqui cabe o paradoxo, pois Teatro, simples, com bons atores e um bom texto é um espetáculo! No palco nada além do essencial, tudo que aparece é usado em cena, tudo tem significado, tudo é teatral, funcional, espetacular. Adereços quase realistas e que não se transformam em nada, são o que são: sapatos, uma mala, uma gaita de boca, uma bacia, canecas, água, uma arma. A crueza do texto é alimentada pela direção: palco quase nu, figurinos simples, luz funcional, mas não realista quase escura, os atores “procuram” o foco, se colocam na luz, física e metaforicamente; o gesto utilizado para o apagar das luzes é outro exemplo de simplicidade teatral espetacular. Tudo isso totalmente a serviço dos verdadeiros protagonistas das nossas Artes-Cênicas: o Ator! E aqui entramos também no cerne do que este texto se refere, os atores Igor Kovalewiski e Renaldo Taunay estão entregues, dispostos, disponíveis, são viscerais e humanos, extremamente humanos. Atores que emocionam não só pelo que dizem, mas pelo que sentem e nos fazem sentir. Tecnicamente também, têm voz límpida, boa dicção mesmo utilizando as gírias e maneirismos que o texto sugere e que acertadamente se mantêm na adaptação de Igor; os atores mostram também um ótimo trabalho corporal, sem exibição de virtuosismo e sim esbanjando expressividade, mostram corpos cansados, miséria encarnada, corpo desesperado. Brigam sem deixar o público apreensivo com sua integridade física, porém com vigor necessário à violenta experiência que nos apresentam. Enfim é uma montagem forte, crua, com a mão de um jovem diretor que deixa brilhar quem deve: aqueles que emprestam corpo, voz e alma aos personagens os ATORES!
O Abraço emocionado no colega de cena e as palavras com que o ator agradeceu ao festival no fim da peça chamam para uma reflexão: se temos a oportunidade de assistir grandes produções internacionais, de termos contato com o que há de mais moderno em realização teatral mundial, temos também o bom e simples teatro que continua sendo esse do “DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA”!
Obrigado ao Porto Alegre Em Cena por proporcionar mais uma vez experiências teatrais inesquecíveis.
* Plínio Marcos Rodrigues é ator
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