segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Labirinto por Marcelo Adams

Labirinto*
O dramaturgo Qorpo Santo teve em Porto Alegre, em 2005, uma montagem inesquecível, pelo Depósito de teatro: Dr. QS- Quriozas Qomédias. Naquela ocasião eu não conhecia muito do autor (afora algumas montagens esparsas de peças curtas, como Mateus e Mateusa). Mas após a encenação dirigida por Roberto Oliveira, que integrava à ação a própria vida do dramaturgo, fundindo e transitando entre a ficção e a realidade, creio que ficou mais claro, para mim, o turbilhão emocional e criativo no qual o triunfense habitava.
Este Labirinto carioca, dirigido pelo consagrado Moacir Chaves, se coloca alguns degraus abaixo na ousadia, em comparação com a montagem do Depósito de teatro. Não se trata de competição: quem é mais criativo? Mas de exprimir, cenicamente, o caótico mundo de Qorpo Santo. Nesse sentido, a encenação de Chaves inicia muito bem, com uma espécie de coral estático recitando trechos dos diálogos, sem nenhuma coerência de personagem, ou seja, as falas foram distribuídas entre os atores, numa veloz sucessão de emissões. A mim lembrou a esquizofrenia do dramaturgo, com sua cabeça povoada por dezenas de vozes e figuras, que cuspiam suas palavras ciclicamente. Lindo mesmo.
O problema é que esse início auspicioso é substituído, depois, por uma mais convencional proposição dialógica, que fica aquém do início polissêmico. E os atores, muitas vezes aos berros, não dão conta do desenfreado teatralismo de Qorpo Santo. Moacir Chaves chega a investir na homossexualidade como tentativa de fazer graça, coisa que os humorísticos televisivos fazem à exaustão, há décadas. Se em Hoje sou um, amanhã outro, o casal de criados homossexuais demonstra a surpreendentemente avançada temática gay nos anos 1860, na peça seguinte, As relações naturais, o mesmo ator que fizera um dos criados gays na peça anterior retorna, com outra personagem gay. Novamente a encenação dá espaço para trejeitos afeminados, que nada parecem ter a ver com a peça, e sim com a facilidade que o ator que interpreta essas duas figuras tem de atuar “flutuantemente”. Ficou engraçado? Então coloca aí, o público vai adorar.
Se ao invés de três peças a encenação apresentasse apenas duas, talvez não percebêssemos tanto as deficiências. A sensação que tive é que esgotou-se a “boa ideia” do diretor, que começa bem, numa reta, mas vai engasgando ao subir a ladeira dos minutos. Lá pelo meio da encenação dava quase para ver a peça com a língua de fora, esbaforida, já tendo dado tudo que tinha para dar.
* Marcelo Adams é ator e diretor teatral, fundador da Cia. de Teatro ao Quadrado. Dramaturgo e professor do curso de Teatro: Licenciatura da UERGS

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