O fantástico reparador de feridas*
Fleumático. Dirigido por Domingos Nunez, o espetáculo O fantástico reparador de feridas apresentou-se no 18º Porto Alegre em Cena como uma peça de teatro bastante cansativa. Talvez, uma metáfora adequada para iniciar sua análise seja a imagem de uma fotografia em 16MB, aquelas que, quando chegam na caixa de correio eletrônico, trancam o computador. Quando você abre o anexo, descobre a mesma imagem poderia ter 200Kb, o que lhe permitiria, inclusive, repassá-la para outras pessoas. O que faz uma imagem ser tão pesada? A quantidade de pixels. A nova produção da Companhia Ludens, no que diz respeito à interpretação dos atores, é assim: cheia de detalhes.
O texto foi escrito por Brian Friel (Irlanda, 1929). São três monólogos justapostos. Três personagens compartilharam juntos décadas de um trabalho e de uma vida em comum. Nas cenas, os personagens dão a sua versão dos fatos ocorrido ao longo desses anos. Os três atores, Walter Breda (Francis Hardy), Mariana Muniz (Grace Hardy) e Fernando Paz (Teddy), deixam evidente o seu domínio de cena, manifesto pela forma como preenchem o palco, modulam as pausas, dizem o texto. A excelência da técnica empregada é inegavelmente grande. A falha, porém, é da direção, essa responsável pela visão geral da encenação: união das partes num objeto único. Não há uma só fala que não seja acompanhada de um movimento de sobrancelhas, meneio de cabeça, giro com as mãos. Os pés estão sempre bem apoiados no chão, os braços presos em algo ou exibindo uma tensão nos ombros. As expressões são duras, friamente calculadas e não corporalizadas. A interpretação carece de naturalidade, tom que convém mais ao drama do que o exagero das máscaras, mais próprio do melodrama. O português é correto demais, as pausas são falsas, os movimentos parecem buscar um sentido ao invés de expressá-lo. O excesso de afirmações torna o espetáculo de cem minutos pesado, o que é uma pena.
Felizmente, o peso dos elementos que, lado a lado, estruturam as interpretações dos personagens em particular, não se repete nas outras esferas da produção. O fantástico reparador de feridas é um espetáculo de produção modesta: uma faixa ao fundo, uma mesa e três cadeiras: cenário esse responsável pela bela e significativa cena final. A iluminação é adequada, a trilha sonora é potente, o figurino (com exceção do visível velcro na calça de Francis Hardy) é bem posto.
O texto de Friel traz propostas interessantes. Três lados de uma mesma história pode ser considerado, hoje, nada radical, mas sua importância não deixa de ser evidenciável. O único senão é o personagem Teddy. Uma vez que Francis e Grace sustentaram ao longo de décadas um romance, o que há de se dizer sobre Teddy? Seria o personagem assexuado? Qual é o seu conflito? Considerando que ele tem o mesmo tempo de exposição da sua visão acerca dos fatos, falta ao espectador mais motivos para ouvi-lo com atenção. Apesar disso, a companhia, que investe há algum tempo na produção de textos que estabeleçam a troca cultural entre Brasil e Irlanda, tem seu mérito garantido pela seriedade com que realiza o projeto. Embora não seja um grande espetáculo, sua presença não deixa de ser bem-vinda ao festival.
* Rodrigo Monteiro é crítico teatral
Um comentário:
Concordo com o Rodrigo e o Alexandre Vargas, não sou do teatro, apenas uma espectadora, mas na boa...poderia ter ficado em casa lendo o livro, o texto, a peça...pois seria bem melhor.
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