Maria João e Mario Laginha*
Talvez uma das coisas mais interessantes do espetáculo de abertura do 18º Porto Alegre em Cena seja a experiência de ouvir uma renomada cantora, ao lado de um excelente pianista, perseguir a própria voz. Maria João, uma das cantoras portuguesas mais célebres da atualidade, que foi cinturão negro de Aikido antes de se tornar cantora, chama a atenção pela sua experimentação vocal: dos tons mais agudos aos mais graves, ela parece redescobrir sonoridades em sua própria carga sonora, improvisando lindamente, oferecendo ao público um excelente resultado estético. É um prazer ouvi-la cantar, como também é ouvir Mário Laginha tocar ao piano (e não só acompanhar a cantora), do início ao fim do show.
No repertório, clássicos e novidades, sempre com um gosto de brincadeira. Algumas das músicas interpretadas estão no excelente CD Chocolate, 12º álbum da dupla que já comemora mais de vinte e cinco anos de trabalho em conjunto. Entre as canções que mais me chamaram a atenção, estão Beatriz, do Chico Buarque e a excelente versão de I’ve grown accustomed to his face , último número do musical My Fair Lady, de 1956, e que ilustra a raiva do Professor Henry Higgins ao fato da sua pupila Eliza Doolittle ter saido da sua vida, e o apercebimento crescente do quanto irá sentir a sua falta.
Pela 4ª vez em Porto Alegre, Maria João e Mario Laginha são figuras que marcam o festival de forma a fazer crer que as próximas edições não serão as mesmas sem suas presenças. A forma como a cantora dança em sua própria música e canta com o próprio corpo, o jeito como pacientemente ela sai da luz para nos convidar a prestar a atenção no seu pianista, e como ele também sai de cena, em determinado momento, para nos deixar compartilhar um dos momentos criativos e mais íntimos com a cantora portuguesa e, sobretudo, o carinho expresso nos depoimentos prestados ao longo do show sobre a relação da dupla com os artistas brasileiros fazem da fruição uma experiência estética de altíssimo nível. Quando se trata de abrir o maior festival de artes cênicas do planeta, não se pensa em algo menor. Maria João e Mario Laginha são, assim, perfeitos para o papel que executam e, acrescentando a bela iluminação, o figurino rico e a discreta movimentação em cena, não é exagero considerar a escolha como excelente.
* Rodrigo Monteiro é crítico teatral
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