Pálido colosso*
Com esse trocadilho, situando-nos entre a letra do Hino Nacional e o programa infantil TV Colosso, a Cia. do Feijão (SP) já no título da peça prepara o espectador para os três eixos que estruturam a concepção do espetáculo. O primeiro, e o mais importante, a política brasileira, em especial seus últimos quarenta anos; o segundo, a influência da mídia nesse processo; e o terceiro o tom de deboche, que torna tudo quase fabular. Da mistura desses elementos surge um espetáculo autoral, marcado pelo posicionamento ideológico de seus criadores diante da história recente do nosso país.
O tom farsesco de algumas passagens mistura-se a narradores de cunho épico. A cenografia colabora para causar uma impressão de metateatro ao reconstituir no palco outra caixa cênica, com cortinas e cores que evocam o Teatro de Revista. Ainda que o conteúdo ideológico perpasse todas as escolhas, o modo como ele é suscitado se mostra um exercício fascinante aos espectadores. Tal qual a imprecisão de lembranças, que misturam os fatos fazendo aparecer conexões improváveis, a peça avança seguindo as décadas dos 1960 até ao início do que hoje chamamos a Era Lula.
A encenação se vale de diversas referencias, parodia-se canções, comerciais de tevê e, é claro, episódios de vida política brasileira. Por meio da paródia os absurdos, as incongruências da nossa sociedade ganham relevo e são postos em análise. Embora tudo seja contado com humor e em tom de ironia, suas implicações são trágicas para aqueles que viveram os acontecimentos relembrados. Nós, eleitores, somos tal qual a fada carente do espetáculo, sempre em busca do príncipe encantado, ou melhor, do "salvador da pátria". E como revela o espetáculo é nosso sentimento de impotência que alimenta a histórica manipulação da vontade popular.
Ainda que essa mistura de diversos gêneros unidos pelo humor e a acidez não ofereça respostas, pois esta é uma história que continua sendo contada, a encenação desperta em nós questionamentos, permitindo - como eles próprios nomeiam - antever "possibilidades" de mudanças.
Pálido colosso é a primeira parte de uma pesquisa sobre a utopia empreendida pelo grupo desde 2006. Surgido no ano seguinte, essa pesquisa gerou ainda os espetáculos Veleidades tropicais (2008) e Enxurro (2011).
* Rodrigo Ruiz é ator, diretor e produtor teatral.
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