Nada del amor me produce envidia*
O espetáculo argentino, dirigido pelo cineasta Diego Lermon, estreante como encenador, foi construído a partir do texto do também cineasta Santiago Loza. Em cena uma atriz, Maria Merlino, que vive uma costureira nos anos 1930, encarregada de fazer um vestido para a atriz e cantora Libertad Lamarque. A primeira dama argentina, Eva Perón, em visita à casa da costureira, descobre o vestido e exige que este lhe seja vendido. A costureira fica dividida entre ceder o vestido a Evita ou entregá-lo à legítima dona, Libertad.
Em poucas linhas, este é o “conflito” proposto pela peça, pretexto para, isso sim, o belíssimo trabalho de atuação de Maria Merlino. A expressão “minimalismo” já está um pouco saturada, mas é difícil não empregá-la para Nada del amor me produce envidia. O trabalho da atriz, detalhadíssimo, conjuga-se muito bem à encenação, que pouco propõe em termos de movimentações e ações, deixando que elas se fixem na estética naturalista (própria do cinema, é bom lembrar). Há em cena apenas uma máquina de costura (que, por sinal, jamais é usada em sua principal ocupação, ou seja, costurar), um manequim e um banquinho de madeira. O resto do encantamento provocado é fruto da delicadeza na emissão do texto, por parte da atriz, que, quando canta, mostra-se absolutamente afinada, várias vezes inclusive cantando à capela.
Já estive algumas vezes em países de língua espanhola, já assisti outras vezes a espetáculos da Argentina, mas jamais compreendi as palavras do texto tão bem quanto desta vez. A pronúncia e a dicção da atriz são tão perfeitas, que foi quase como se ela falasse em português. Outra coisa: a magneticidade de sua atuação não me permitia dispersar, durante os 60 minutos da peça. Um olhar úmido, constantemente, não apenas de choro, mas de entrega ao papel. Um gestual preciso e limpo, mesmo que sem nenhuma ousadia formal, tinha a habilidade de estabelecer uma comunicação poderosa com a plateia.
Ainda a destacar a escolha (esta sim, do encenador) de conduzir o espetáculo não no registro do melodrama, que faria todo o sentido, pela história que nos é contada. Mesmo nos momentos de emoção transbordante, a contenção é a melhor opção (naquele contexto, fique claro). O cinema, afinal de contas, foi um bom parâmetro para o diretor, que segurou a onda da atriz, tornando-a, até, mais convincente em sua melancolia. É claro que a atuação de Maria Merlino é fundamental para atingir-se esse soberbo resultado: percebe-se que é uma atriz de recursos inumeráveis, daquelas que dá muito prazer de ver. Lembrou-me da Cássia Kis Magro.
* Marcelo Adams é ator e diretor teatral, fundador da Cia. de Teatro ao Quadrado. Dramaturgo e professor do curso de Teatro: Licenciatura da UERGS
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