A história do homem que ouve Mozart e da moça do lado que escuta o homem*
Sábado, 22:45. Estou numa grande fila em frente à Sala Álvaro Moreyra esperando a abertura do teatro, para conferir o espetáculo da cidade do Rio de Janeiro, A história do homem que ouve Mozart e da moça do lado que escuta o homem. No elenco dois atores, o gaúcho Roberto Birindelli e a carioca Adriana Zattar.
Às 23 horas a porta é aberta. Os atores já estão em cena. A plateia fica sentada em torno do cenário, num pequeno nível acima dos atores. Ao som de goteiras produzidas por garrafas pets penduradas, vemos duas pessoas solitárias afundarem aos poucos, em meio à forte tempestade e à angústia da solidão.
O cenário é perfeito. Ele está sentado numa cama antiga de molas sem o colchão e ela em volta de um móvel (que lembra uma mesa cirúrgica) cheia de bonecas estragadas, prontas para serem consertadas.
Os dois estão tão próximos, mas não se enxergam. Cada um preso no seu mundo. Talvez se não fosse o temporal lá fora, seria mais um dia qualquer na vida dos dois. Ele estaria lendo e estudando ao som de Mozart, enquanto ela no quarto ao lado estaria arrumando as bonecas, escutando o homem.
Vai dando uma angústia em ver dois tristes solitários, feitos um pro outro, afundarem aos poucos.
Os dois quiseram assim, afinal sabem da existência um do outro. Preferem falar com as paredes, que somos nós, o público.
A tempestade não termina. As goteiras aumentam. Ele carrega a vitrola numa mão, tentando salvar Mozart. Ela tenta secar o chão para salvar as bonecas. A tensão e a chuva aumentam. O piso de madeira vai inundando.
Não consegui compreender o desejo da morte, da solidão daquelas duas pessoas.
Ela tenta ser ouvida e fala cara a cara com a parede. Grita.
A literatura, música e arte não são mais fortes que a natureza, a força da água. Não adianta mais. Ele já morreu há muito tempo. Morreu afogado na normalidade. Sempre queremos uma explicação para esse tipo de atitude, pois temos medo da nossa própria ideia de solidão.
Ela parece mais saudável e berra para ele, pontuando o fim: “Nós vamos sair desse buraco”.
A história do homem que ouve Mozart e da moça do lado que escuta o homem, de autoria de Francis Ivanovich, dirigida por Luiz Antônio Rocha. Na equipe técnica, Luiz Antônio Rocha assina o cenário e figurinos. Aplausos especiais para a iluminação de Antonio Mendel e a Roberto Birindelli e Adriana Zattar.
Achei um espetáculo corajoso e emocionante.
Uma pena que tenha afundado em 1 hora.
* Bob Bahlis é diretor teatral
Um comentário:
Sua crítica estava ótima e compreensiva, até a penúltima linha, quando vc disse "Achei um espetáculo corajoso e emocionante". Mas na última, deixou a impressão que não gostou. O que vc quis dizer com "Uma pena que tenha afundado em 1 hora."?
Foi pouco tempo, foi muito tempo, ou algo além do tempo comprometeu o espetáculo?
(Já assisti a peça no Rio de Janeiro.)
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