No Quintal de Ná Ozzetti*
O que é que tem no Quintal de Ná Ozzetti?
Estava curiosa sobre o show de Ná Ozzetti. Nos anos 80 escutei muito todo o pessoal da chamada vanguarda paulistana; principalmente Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, o Premê e o Rumo. E Ladeira da Memória gravada pelo Rumo era a referência mais forte da sua voz e do seu jeito de cantar.
“Olha as pessoas descendo, descendo, descendo... Descendo a Ladeira da Memória até o Vale do Anhangabaú...
Quanta gente...”
Música e letra que até hoje são pra mim a imagem de São Paulo.
Mesclada a essa memória tinha também uma das músicas mais irreverentes que conheci: Ah!, de Luiz Tatit, que Ná Ozzetti gravou em seu primeiro disco solo, e onde se pode ouvi-la brincar com a voz que acentua o tom irônico da canção.
“Ah! Não pode usar qualquer palavra? Então é por isso que não dava, eu tentava, repetia, achava lindo e colocava. Se não cabe, se não pode, tem que trocar de palavra...Ah! Mas é tão boa essa palavra carregada de sentido com um som tão delicado agora eu vou ter que trocar? Ah! Vá se danar! Ah! Tem que caber? Ah! Ninguém repara. Ah! Tem que entender? Ah! Mas tá na cara...”
Não tinha muito contato com o repertório mais recente da cantora, e quando fui convidada a escrever sobre sua apresentação no Porto Alegre Em Cena três coisas me chamaram a atenção: é um espetáculo feito para comemorar trinta anos de carreira, uma carreira repleta de trabalhos, CDs, parcerias (quem faz música no Brasil sabe que esse fato não é pouca coisa!); é um trabalho autoral, pois a maioria das canções são músicas de Ná Ozzetti com letras de amigos seus, (eu sempre festejo a presença de compositoras num cenário musical ainda tão masculino); a criação de seu espetáculo é fruto de um processo coletivo com músicos que já haviam criado junto com ela o show anterior, Balangandãs (minha vida no teatro me ensinou que sempre que todo mundo põe-a-mão-na-massa o resultado é melhor, sobretudo quando se trabalha junto por muito tempo).
Meu quintal foi um belíssimo show, cheio de sutilezas e nuances. Ná Ozzetti e seus músicos foram impecáveis. Sua maturidade artística lhe permite ser ao mesmo tempo virtuose e sutil, sem alarde; colocar sua voz a serviço de sua vontade criadora. Suas escolhas artísticas permitem que Ná Ozzetti seja autoral também como cantora; mais do que adequar-se a um gênero ou estilo musical - e seu repertório é rico deles - ela “inventou”, burilou e amadureceu sua própria voz. Voz assumidamente própria. Enriquece e aguça os ouvidos daqueles que amam a voz humana, ou melhor, as vozes, as riquezas e possibilidades do que é pessoal e intransferível. Saí do Theatro São Pedro pensando: como é bom o “ao vivo”, que não “limpa” o som da respiração do cantor, que não esconde as pequenas variações da voz, e que permite a gente se deliciar com as nuances de uma voz que se recusa a pasteurizar-se.
A sintonia entre todos os músicos que estavam no palco foi incrível. Além de serem todos excelentes (e “quebrarem tudo”), estavam muito ligados uns nos outros. Acho que este é um dos resultados mais interessantes do tipo de processo criativo que Ná Ozzetti escolheu para montar o seu show. É um presente escutar o som de músicos tão interligados, e acho que somente muito tempo de trabalho conjunto faz uma performance musical chegar neste ponto.
Vale destacar as presenças cênicas de Sérgio Reze (baterista) e Zé Alexandre Carvalho (contrabaixista), além do evidente domínio de seus instrumentos, os dois músicos demonstraram saber ficar à vontade no palco e praticamente “dançavam” ao tocar.
Aliás, a única coisa de que senti falta no show foi de um pouco mais de ousadia quanto à cena. Ná Ozzetti tem uma forte presença de palco e isso poderia ser muito mais aproveitado.
Não posso deixar de comentar a opção pelo uso do contrabaixo acústico. Sou particularmente aficionada pelo som do instrumento, e acho que é uma das melhores combinações com a voz, sobretudo a feminina.
Vale muito conferir este show quando ele voltar! E tomara que volte...Quem for poderá escutar as músicas do novo CD e outras canções que fazem parte do repertório de Ná Ozzetti, entre elas, Na Batucada da Vida (Ari Barroso/Luiz Peixoto), do CD Balangandãs que homenageia Carmen Miranda; Sutil (Itamar Assumpção), do CD Ná, Capitu (Luiz Tatit), do CD Estopim; e Atlântida (Rita Lee e Roberto de Carvalho), do CD Love Lee Rita.
As minhas prediletas no show? Equilíbrio (Ná Ozzetti/Luiz Tatit) e Entre o amor e o mar (Ná Ozzetti/Luiz Tatit).
Vida longa a Meu quintal!
* Leonor Melo é atriz e cantora
3 comentários:
Também amei o show!!!!Parabéns a Ná Ozetti, a sua banda e a Leonor que descreveu o show de forma tão brilhante!
Equilíbrio tb foi minha favorita. E adorei Chuva tb!!!
Pois é. Dia 14 deste mês, "Equilibrio" foi anunciada como uma das cinco concorrentes ao Grammy latino na categoria Melhor Canção Brasileira. Parabéns para Ná Ozzetti e Luiz Tatit.
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