quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O fantástico reparador de feridas por Alexandre Vargas

No limite entre fé e fraude*

A peça O fantástico reparador de feridas, inspirado no texto Faith healer, do irlandês Brian Friel, é dirigida por Domingos Nunez, estrelada por Walter Breda, Mariana Muniz e Fernando Paz. A produção é da Cia. Ludens, fundada em 2002, que surgiu com a proposta de pesquisar e montar textos teatrais irlandeses no Brasil e estabelecer um diálogo entre as duas culturas. O espetáculo obteve duas indicações ao Prêmio Shell de Teatro 2009, pelas atuações de Walter Breda e de Mariana Muniz.
Três personagens e quatro monólogos contam a história de uma trupe que viaja por cidadezinhas da Escócia e do País de Gales, apresentando um número que se situa entre uma representação teatral e um culto religioso de cunho sobrenatural. Juntos, tentam sobreviver cobrando ingressos de inválidos em apresentações das quais podem sair curados. Esse é o ponto de partida para as situações narradas na peça. Os três personagens são Frank, Grace e Teddy. Frank (Walter Breda) é um homem que vive atormentado por possuir um dom sobre o qual não tem nenhum controle e tenta aplacar seus questionamentos com doses colossais de uísque. Sua mulher, Grace (Mariana Muniz), advogada e filha de um juiz aristocrata, acusa, defende, busca evidências e comprovações para justificar seu estado mental. Teddy (Fernando Paz), empresário de artistas exóticos e decadentes, transita entre a frieza profissional, a admiração por Frank e uma possível paixão por Grace. A peça está estruturada em depoimentos dos três personagens sobre o mesmo acontecimento. Cada uma das personagens narra diretamente para a plateia, de acordo com suas próprias conveniências, alguns fatos que vivenciaram juntas. Ao contar suas experiências, as personagens têm o intuito de convencer os espectadores e a si próprias de que aquele ponto de vista é o que mais se aproxima do que realmente aconteceu. Aos poucos, tece-se uma cadeia de informações que se complementam e se opõem e que levarão os espectadores a tirar suas próprias conclusões. Em última análise, tudo depende do ponto de vista do observador que, de um modo ou de outro, relativiza os discursos a que está exposto e os reorganiza de acordo com suas próprias necessidades, sentimentos e limitações. No entanto isso se dá por uma “literatura dramática” e não pela encenação do espetáculo apresentado no festival.
O texto é considerado como o mais radical de Brian Friel, mas a encenação não alcança a potencialidade do texto. Pois os espectadores, os que estão acordados, tentam encontrar na chave da oralidade, da narrativa, as inquietações que a encenação não nos possibilita. Friel em seus textos está interessado em investigar a percepção da realidade a partir da manipulação da linguagem, dos discursos e do desejo pessoal que forja uma realidade. Então ele coloca a questão da manipulação da linguagem como um dos pilares para uma possível representação do mundo contemporâneo. Ora, se o que está em jogo é o poder de persuasão, então é possível fazermos uma relação com a própria arte teatral que a Cia. Ludens nos apresenta. Para a construção de uma encenação não basta o conceito, a sinopse e o discurso de estar encenando um dos maiores nomes da dramaturgia da Irlanda.
* Alexandre Vargas é ator, diretor e coordenador do C.P.T.A. - Centro de Pesquisa Teatral do Ator

Um comentário:

Camilo de Paiva Correia disse...

Não gostei desse espetáculo. Me senti desrespeitado. Talvez no século 19 o teatro fosse assim. Realmente o público de Porto Alegre é muito educado, assistiu blaze e ainda aplaudiu!!!