segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Pterodátilos por Daniel Colin

"Etiquette" sem "vitriol"*

Assistir a Pterodátilos, com direção do “top” Felipe Hirsch, foi uma experiência muito interessante, a qual me obrigou a concatenar diversas reflexões sobre o fazer teatral e a relação do público com a obra artística.
De cara, posso definir o espetáculo - apesar de detestar qualquer tipo de definição! - como “morno”. E por que “morno”? Nicky Silver é um dos meus dramaturgos favoritos, cuja obra já foi trabalhada e revisitada por mim inúmeras vezes, em espetáculos e oficinas. Por isso posso dizer que conheço bem alguns de seus mais importantes textos, sobretudo Pterodactyls e Fat men in skirts. O livro de Silver que eu tenho contém 4 de seus textos mais famosos e tem o sugestivo título Etiquette & Vitriol; a meu ver, este título já define a estética do dramaturgo e apresenta a grande dificuldade de encenar seus textos: como conseguir caminhar na tênue linha existente entre a comédia rasgada e a tragédia familiar, o humor negro em sua mais pura concepção. A carga explosiva da dramaturgia de Nicky Silver surge do atrito destas duas dimensões a princípio paradoxais. Etiquette & Vitriol.
Ao optar por explorar mais a comicidade do texto e das personagens, Felipe Hirsch não aprofunda a degradação trágica da família de Todd, fadada à extinção tal e qual aconteceu com os dinossauros há milhões de anos (aliás, me pergunto se a relação com os dinossauros fica clara na montagem, já que o diretor optou por extrair diálogos fundamentais de sua encenação...). A encenação chega a utilizar passagens cômicas de outros textos do autor, como Free will & Wanton lust e Fat men in skirts, por exemplo, o que torna a peça ainda mais engraçada. Do elenco, apenas Mariana Lima consegue realmente extrair momentos densos e amargos de Grace, apesar de mais uma vez lançar mão de uma interpretação pautada por afetações...Mesmo Nanini, que pra mim é um dos maiores atores brasileiros e que já vi sensacional em peças como O mistério de Irma Vap, não envereda pelo viés mais aprofundado de suas personagens, sobretudo com Arthur, que a meu ver se apresenta opaco durante toda a peça; sua Emma ainda consegue ser encantadora e empática para o público. Em geral, os quatro atores estão muito bem na proposta de caricaturizar a família, mas pra mim, isso só não basta.
O show à parte da encenação de Hirsch é, mais uma vez e sem sombra de dúvidas, o cenário de Daniela Thomas, aqui confirmando o porquê é considerada uma das melhores cenógrafas do país. Thomas leva a fundo a metáfora da família revirada, cavocada, escavada, destruída, esfacelada, através do palco móvel que vai sendo desmontado por Todd, o filho pródigo que volta ao lar carregado pela “peste”. A iluminação de Beto Bruel é extremamente eficiente e dá ainda mais destaque ao incrível cenário de Thomas.
Ao final do espetáculo, duas reflexões martelavam minha cabeça, ambas vinculadas à questão da fama e do prestígio dos artistas: a primeira centrava-se na figura de Felipe Hirsch, atualmente um dos diretores-fetiche do Brasil. Acho Hirsch um grande diretor, mas infelizmente, estou começando a ficar cansado de suas produções: depois de grandes e surpreendentes montagens (A vida é cheia de som e fúria, Thom Pain/Lady Grey e Avenida Dropsie), tive dois encontros bem “borocoxôs” com seu trabalho neste ano: este morno Pterodátilos e o supervalorizado Trilhas sonoras de amor perdidas, uma cópia cansada e sem o mesmo viço de Som e fúria. Estou sinceramente torcendo para que ele volte a fazer grandes trabalhos, criativos e ousados, e saia desse lugar-comum de suas últimas encenações (ou será que sou eu que estou tendo o azar de ver as peças mais fracas? Me disseram que Não sobre o amor era lindíssima!...)
A outra reflexão surgiu da postura do público portoalegrense diante desta montagem. O espetáculo foi regado de risadas escancaradas, mesmo nos raros momentos mais pesados, como por exemplo, quando Todd conta a seu pai que fudeu com diversas pessoas, em diversos locais e que, por isso, se contaminou com o vírus HIV e nem sabe necessariamente de quem o contraiu. A plateia ria enlouquecidamente. Assisti à montagem do João de Ricardo para o mesmo texto e eu mesmo dirigi e atuei na peça GORDOS ou somewhere beyond the sea, baseada em Fat men in skirts, e vi, de perto, que o público daqui tem dificuldade em assimilar o humor negro. Por que riam tanto da montagem do Felipe Hirsch então? Teria o diretor feito uma peça de humor fácil, como vários colegas da classe comentaram no Facebook, ou será que o público “se abriu” aos atores globais Marco Nanini e Mariana Lima? Lembro-me dos espectadores saírem chocados da montagem do João e da minha; apesar de Pterodátilos tocar em temas polêmicos como incesto, pedofilia e AIDS, não ouvi ninguém comentar ou discutir qualquer destes temas (e olha que conversei com várias pessoas sobre a peça...). Não sei se foi o Felipe Hirsch, o Nanini ou o público de Porto Alegre...O que eu sei é que o amargor dos diálogos de Nicky Silver nem sequer ameaçaram aparecer no palco do Salão de Atos da UFRGS. Nada de “vitriol” prá nós!
* Daniel Colin é ator e encenador

3 comentários:

Fabio Bortolazzo Pinto disse...

O público local tem necessidade constante de 'reverenciar'. Com gargalhadas desgovernadas, por exemplo.

Colin disse...

Bah, acabei de descobrir que a iluminação é toda feita com lâmpadas par. To mais maravilhado ainda com a luz da peça!

Fernanda disse...

Para uma leiga, como eu, o teu texto me alivia. Estranhei grande parte das risadas, pois os temas tratados são muito pesados e ao mesmo tempo foram tratados como grandes piadas apenas, na maior parte das vezes.