“Outros
amores me seriam necessários, talvez. Mas o amor, isso não se comanda.”
Samuel Beckett, Primeiro amor
Inspirado na novela Primeiro amor
de Samuel Beckett (escrita em 1945 mas publicada apenas em 1970), o espetáculo dirigido por Eid Ribeiro tem momentos de
pura poesia, exatamente como o autor nos proporciona em sua escrita. O encontro
entre um quase vagabundo e narrador da história chamado Sam, e uma prostituta,
Lulu, se dá quando este é expulso de casa após a morte do pai. O protagonista
tem como atividade principal vaguear. Ele não trabalha, é descompromissado em
relação à vida e não possui pretensões. A moça o acolhe em sua morada,
começando assim uma convivência harmônica, porém não menos estranha, que convém
a ambos os personagens. Sam, no entanto, revela seu lado cru, egoísta e
solitário.
Os atores têm uma interpretação
justa e sincera, com méritos para o trabalho de Rodolfo Vaz. O protagonista da
história consegue, com suas pedrinhas, prender a atenção do público durante
toda a peça. O belo trabalho corporal e vocal de Rodolfo Vaz nos remete à uma
figura digna de um personagem beckttiano. Sua cúmplice, Kelly Criffer, consegue
igualmente compor um tipo inusitado e interessante.
A iluminação contribui de forma
coerente para a encenação, auxiliando na construção do universo vivido pelos
personagens. O cenário, ao mesmo tempo que colabora para a criação de uma
atmosfera miserável, é, ao meu ver, quase que ocioso. Admiradora do palco nu,
acredito que o supérfluo não se faz necessário para a composição do universo
demandado pelo texto, uma vez que os atores o constroem com suas figuras.
O texto de Samuel Beckett é
devidamente respeitado. Críveis, as palavras pronunciadas pelos atores possuem
o ritmo condizente com as representações dos personagens. O que me falta,
opinião de uma mera apaixonada por Beckett, é o silêncio. Sabemos que a escrita
de Primeiro amor é fluente e relativamente tradicional ao ser comparada a
outras obras do escritor. Entretanto, mesmo sem os tropeções e hesitações que
tomarão conta dos futuros textos do autor, ainda penso que na encenação,
poderia haver mais instantes de suspensão. Creio que os silêncios típicos de
Beckett, transbordados de solidão e de vazio só viriam a enriquecer o trabalho.
As músicas estão em excesso. Não precisa de tanto. A presença cênica dos atores
seria suficiente para sustentar as constrangedoras pausas características do
autor irlandês.
Enfim, Antes do silêncio é um
espetáculo que consegue apresentar ao público bons momentos beckttianos, onde o
riso provocado pela angústia da verdade e da crueldade é constrangedor. É uma
boa peça a ser apreciada!
*Bia Noy é atriz e doutoranda em Letras pela UFRGS
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