A música do Pablo Held Trio se encaixa em um estilo normalmente definido como jazz, mas que, sem deixar de sê-lo, situa-se no rastro daquele momento em que o jazz se volta definitivamente para fora do seu contexto de origem, e desta forma tanto se expande quanto se dilui. No Brasil (e mesmo em outros países), tal tendência foi bastante associada ao catálogo da gravadora ECM, que teve inúmeros títulos lançados por aqui a partir dos anos 70. A apresentação começa com um solo do contrabaixista Robert Landfermann, disparado o melhor jogador em campo. Com uma sonoridade precisa e fazendo um uso refinado das dinâmicas, o solo caracterizou-se por poucas polarizações de notas, que quando ocorriam eram rapidamente abandonadas ou disfarçadas. No instante em que uma nota de referência por fim se estabelece, os demais músicos vão se juntando ao contrabaixista. Com o foco ainda voltado para o contrabaixo em função do tempo que durou o solo, aos poucos a atenção começa a passear entre as propostas dos três instrumentistas, em um exercício de escuta seletiva que pode fixar-se tanto nos instrumentos individuais quanto nas configurações das execuções simultâneas. É como se os espaços de atuação de cada um dos músicos fossem órbitas magnetizadas, cujas forças de atração e repulsão os mantêm em equilíbrio. Largamente fundamentado no improviso, este acordo musical vai se confirmando durante o concerto. Cada músico tem o seu espaço, e a partir destes são sugeridos hiatos, intersecções, atritos, encontros, paralelismos. A influência do free-jazz é evidente (inclusive com citação de Lonely woman, de Ornette Coleman). Os improvisos por vezes apresentam ideias consideravelmente simplificadas (Held em especial). É uma estratégia arriscada, mas que não deixa de ser interessante para inserção de contrastes. Ainda que alguns improvisos aparentem ser banais, tal percepção é na verdade induzida pelo confronto com as texturas mais complexas. A proposta pode não estar plenamente amadurecida, mas com certeza está bem encaminhada. No final das contas, o saldo é positivo, seja pelos méritos do trio ou pela oportunidade para refletir sobre os formatos que o jazz pode adquirir quando definitivamente seu contexto original está tão expandido quanto os limites do planeta.
*Marcelo Birck é músico
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