Mais jogo, menos técnica
Só o
fato de ter visto o trabalho corporal do bailarino Ido Tadmor no Instituto
Goethe, já fez valer a pena minha ida ao teatro. Bastaram dez minutos para eu
ter a certeza de que era ali que eu deveria estar naquela noite. Mas o meu caso
não é o caso de toda a plateia, eu estudo teatro e desenvolvo uma pesquisa com
enfoque no corpo do ator-bailarino. Então qualquer trabalho corporal com profundidade
de técnica é do meu interesse profissional e pessoal. Uma plateia também é
composta por não estudantes de teatro, por pessoas que vão ao teatro para se
divertir, para mudar o ponto de vista, para ser provocada ou mesmo para
relaxar.
As
quatro coreografias exibidas com intervalos de tempo que fazem parte do
espetáculo de dança de Israel, dificilmente causaram uma atmosfera de
concentração para o público que não está acostumado a estudar expressão
corporal. Acredito que a única coreografia que quebra essa condição seja a The
empty room, de 26 minutos. Diferente das outras, existe o jogo entre
dois bailarinos, Ido Tadmor e Shany Katzman, um casal que veste roupas similares
aos bufões e que está discutindo sobre algo muito específico, sentados e
gesticulando os braços sobre uma mesa. De repente eles começam a discutir sobre
a relação, o que é uma hipótese minha, porque eles se utilizam de uma língua
inventada, uma forma de grammelot extremamente sonoro e convincente, nos
causando a sensação de que é uma língua oficial que desconhecemos. O momento de
quebra é maravilhoso, entra em cena uma música dos Barbatuques, grupo
brasileiro de percussão corporal. A coreografia se utilizou da música Andando pela África, do álbum O corpo do som. A sintonia entre as imagens
propostas pelo movimento do corpo e pela música com fortes batidas é de alta
qualidade, assim como a iluminação, na qual a cor vermelha é predominante. The empty room ultrapassa a técnica, revela
um casal com medo de se relacionar e alcança uma atmosfera de poesia. O casal
sai de cena lentamente, tremendo.
As
duas coreografias que reduzem a magia do espetáculo ao nível da pura exibição
técnica do bailarino são Moonlight sonata
e And Mr. Certamente elas possuem uma
carga imagética que faz o expectador entrar numa viagem própria e única, às
vezes rica e com propósito, às vezes não. Eu, por exemplo, vi a evolução do
homem desde sua constituição mais primitiva. Entretanto não é um trabalho
simples, achei mais conveniente e acessível visualizar elementos técnicos, como
a abertura de perna que o bailarino apresenta, sua capacidade de tornar o corpo
leve ou pesado dependendo do objetivo, sua dilatação ou redução da noção do
tempo, seus equilíbrios e desequilíbrios, a qualidade e constante mutação das
suas energias, entre outras coisas. A última coreografia chama-se Netta e foi dedicada à mãe do bailarino;
a iluminação azul, que sugere um ambiente frio e escuro, contrapõe um corpo
saudosista e caloroso, que carrega nas mãos uma xícara. A música tem um papel
importante, é capaz de causar comoção e identificação por parte do público.
Concluo que se o espetáculo de dança se utilizasse mais do jogo do que da
exibição técnica, instigaria e levaria mais brilho à plateia.
*Guilherme Nervo é graduando no Departamento de Arte Dramática da UFRGS
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