sexta-feira, 7 de setembro de 2012

As regras da arte de bem viver na sociedade moderna por Helena Mello

A arte em busca de uma vida desregrada
Na contramão de outros críticos, não gosto de ler sobre o que os outros escreveram sobre o que eu vou ver seja no cinema ou no teatro. Assim, posso ser acusada de ignorância, mas nunca de plágio. Para mim, a arte, em todas as suas formas, não deve exigir muitas explicações. É claro que acho ótimo que tenha quem prefira ler antes de ver, pois, senão, muito do valor do que eu mesma escrevo seria perdido. Então, vejamos: fui convidada para comentar o espetáculo As regras da arte de bem viver na sociedade moderna. De cara pensei que deveria me concentrar nos aspectos mais formais, mas já fiz isso outras vezes e trunca tudo. Tentando agradar sabe-se lá quem me desagrado profundamente. Por isso, seguirei com meu estilo de escrever sobre teatro que, para quem me conhece já sabe, sempre passa pelas minhas impressões e sensações.
O espetáculo é um monólogo, ou seja, destaque total para o texto. Porém, por melhor que um texto seja, se não for bem tratado, dito por uma única pessoa, vai causar mais tédio do que qualquer outra coisa. A atriz Lorena Dias, no entanto, é impecável. Adjetivo, aliás, que se encaixa perfeitamente no que se refere a essa peça. Bastam algumas poucas palavras para que o público perceba, imediatamente, o tom cômico estabelecido por ela. O texto tem seus exageros, mas me peguei pensando o que o tornava diferente de uma palestra sobre etiqueta de Célia Ribeiro. Afinal, quantas vezes eu ouvira todas aquelas regras nesses meus cinquenta anos? A atriz, porém, mantém o controle o tempo todo, sem extrapolar nos gracejos e, por isso mesmo, fazendo rir com seus deslocamentos pontuais no cenário mínimo: uma poltrona antiga, um abajour, um copo d’água e seu figurino preto e branco, seus gestos contidos. E é nessa identificação com tudo aquilo que é dito que percebemos o absurdo daquele discurso, o bizarro daquelas imposições. Como alguém pode ter levado aquilo tudo tão a sério por tanto tempo? Como pudemos tentar seguir uma cartilha tão rigorosa? O espetáculo, montado a partir do texto de Jean Luc Lagarce, põe por terra o politicamente correto (mas não sem antes estender uma toalha) e, durante todo o tempo, nos faz lembrar situações de nossas vidas. Eu, por exemplo, lembrei-me do casamento dos atores Marcos Chaves e Ariane Guerra em que esta entrou fazendo pequenos movimentos com a cabeça, cumprimentando os presentes. Foi a primeira vez que vi uma noiva fazer isso, o que comprova que as regras, que proíbem esse gesto, seguem interferindo até hoje na vida de muitos casais. Eu, que não sou disciplinada o suficiente para encarar uma vida que respeite todos esses preceitos, esperava um descontrole a todo o momento. Mas, “chutar o balde” seria algo um tanto quanto previsível e, provavelmente, faria perder a força do que o espetáculo nos provoca. E, como a Adriana Calcanhoto que não gosta do bom senso e não gosta do bom gosto, qualquer coisa que questione e faça refletir sobre as imposições da vida, como esse texto de um dos autores mais encenados na França, me fará “expor a minha alegria ingênua” em ir ao teatro para sair pensando que não deve haver regras para a arte e para quem sabe viver.
*Helena Mello é jornalista

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