A poesia megalomaníaca
Antes de assistir o espetáculo Fuerza bruta, ouvi diversos comentários sobre sua execução e a cada
nova percepção me instigava mais para assistir, porque as opiniões eram
divergentes. Algumas pessoas acharam o show incrível e outras comparam as
grandes produções que não possuem sentido algum além da arte pela arte. Então, no espaço do Pepsi On Stage me decidi a
entrar na onda extasiante que o espetáculo propunha, deixando assim os diversos
depoimentos que ouvira para mergulhar no universo bruto da força humana.
O grupo argentino dirigido por Diqui James tem como poética
teatral a investigação da performance show e está em cartaz com Fuerza bruta desde o ano 2005, em Buenos
Aires. Uma de suas inspirações para essa hibridização artística é o grupo
catalão Fura del Baus, que também pesquisa a arte como um evento e utiliza
grandes maquinários para suas encenações.
Signifiquei três
universos apresentados em Fuerza bruta,
os vejo como números artísticos porque para criarmos um elo entre eles é uma
tarefa difícil. A primeira atmosfera me remeteu à individualidade do ser humano
em uma sociedade que está à frente de nosso tempo, em que as horas passam de
uma maneira exacerbadamente veloz, em que nos fechamos em nossa cinesfera e
assim vivemos os nossos problemas dialogando somente com nosso ser através da
ventania do passar dos dias. O segundo universo contempla a atmosfera onírica
que alimentamos ao deixarmos nossa mente transcender a materialidade da
existência e revelar a poesia como poética da vida. Nesse aspecto vemos as
ninfas contemporâneas soltas no universo acrobático e no oceano que reflete o
céu violeta com corpos dançantes. Esse mundo poético me remeteu à infância, a
liberdade que temos com a natureza e a necessidade de não arquitetar o amanhã.
O último baseia-se no encontro entre as almas que comungam a diversão e
celebram a vida, nesse momento somos transportados à tradição do povo
argentino, mais especificamente de Buenos Aires. Na noite de Ano Novo, as
pessoas usam a data para praticar o desapego. Elas jogam fora por suas janelas
tudo aquilo que não será mais usado para dar boas vindas ao novo ano e celebram
as novas possibilidades, e é lindo ver essa tradição em cena juntamente com a
dança popular de nome Murga, que embalava os corpos do elenco flutuante.
Esse show nos preenche de energia com sua música, que atinge
diretamente nosso ritmo interno e é quase indescritível a sensação de estar
vivo. Os performers desse trabalho são instrumentos de exaltação da energia e
por algumas vezes tornam-se parte da grande massa que vivencia esse momento ímpar.
Em alguns momentos pensei sobre a evolução da história nos
corpos de quem a assistia. A interpretação de nosso corpo no espaço nesse
acontecimento é algo para se pensar, pois diversas vezes me senti induzido a
acompanhar a multidão que se apertava sem estar disposto a isso, como algo
imposto. Talvez, essa sensação tenha feito com que muitas pessoas se sentissem
incomodadas com o show.
Fuerza bruta
significou uma viagem na própria existência humana entre a materialidade de
nossa rotina e nossos momentos transcendentes e lúdicos, que significam o
alcance de nossa mente em outro plano astral. Como no fim do show, devemos como
seres humanos pularmos no abismo da existência e sentirmos a força da dádiva de
viver com todas suas complexidades e belezas.
*Jeferson Cabral é graduando no Departamento de Arte Dramática da UFRGS
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