segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Divergências por Marcelo Adams


Neste ano, o Porto Alegre em Cena não teve uma grande polêmica como a que se viu em outras edições (no ano passado, por exemplo, encontravam-se defensores e detratores aguerridos em relação à montagem de Pterodátilos). Identifiquei, no entanto, uma unanimidade e três demi polêmicas: a unanimidade foi a vinda do Berliner Ensemble com sua inesquecível Mãe Coragem e seu filhos. Não lembro de ter lido ou ouvido ninguém se pronunciar negativamente (de forma consistente), e que não tenha reconhecido as qualidades tanto da montagem tradicionalizante de Claus Peymann quanto da dramaturgia dialética de Bertolt Brecht. Um espetáculo como esse é mais do que apenas um evento, é uma aula de teatro ao vivo e na prática. Lê-se e escreve-se muito sobre o brechtianismo, mas quando temos oportunidade de ver à nossa frente suas ideias postas em práticas, o nível é outro, bem mais elevado.
 
As demi polêmicas: Deus da carnificina é apenas um veículo para atores televisivos, em que a dramaturgia não chega a dizer nada, ou um espetáculo ácido e com questões que nos incomodam? Yasmina Reza é uma dramaturga que conhece muito bem o seu ofício, que sabe se fazer visível e relevante no mundo contemporâneo. Não merece ela nosso respeito, por investir em teatro como expressão artística, em um mundo cada vez mais fragmentado e onde a interpretação de tudo o que se vê sobre o palco é jogado sobre o colo do público, entregando a ele toda a responsabilidade de dar sentidos ao que vê?
 
Por falar em fragmentação, eis a outra "polêmicazinha": Fuerza bruta é mais do que um amontoado de sequências técnica e visualmente bem construídas? Pode-se ler, nas curtas "esquetes" visuais (como a do homem que corre sem sair do mesmo lugar, e é "atacado" por uma parede de caixas de papelão) algo que reflita sobre nosso lugar e função no mundo atual, ou tudo não passa de "enlatado", feito para agradar a uma plateia predominantemente jovem e pouco afeita ao teatro como linguagem artística?
 
Finalmente, Eclipse, do Grupo Galpão: cheguei a ler e ouvir pessoas dizendo que não é assim que se faz Tchekhov. Luiz Paulo Vasconcellos escreveu que viu apenas uma "série de tiradas de autoajuda pseudofilosóficas". Pessoalmente, discordo totalmente de Luiz Paulo, pois reduzir o espetáculo a isso é se colocar impermeável à forma corajosa pela qual os excelentes atores do Galpão trabalharam a tão conhecida dramaturgia e narrativa tchekhovianas. Me comovi em mais de uma ocasião ao ouvir as palavras de Tchekhov, e não me considero nem um pouco adepto de qualquer forma de autoajuda literária ou em forma de palestra. Outros, reclamaram sentir falta do barroquismo que marca certa produção do Galpão: pessoal, que bom que esse incrível grupo mineiro não se "deitou nas cordas" e passou a viver do sucesso pregresso. Acomodar-se em formas e opiniões é matar um pouco a arte, que é viva e se retorce a todo instante.
 
*Marcelo Adams é ator e professor da graduação em Teatro: Licenciatura da UERGS

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