sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Memórias- uma homenagem a Carlinhos Hartlieb por Arthur de Faria

MEMÓRIAS
Carlinhos Hartlieb


Escreva aí no seu caderno essas memórias
De uma geração que contemplou no tempo que passou, passou, as vossas glórias

Escreva aí a moda de 71, escreva aí a moda de 71
Fita no cabelo, filho nas costas, pé na estrada
Na Holanda, na Turquia, Londres, Bahia
Ou Enseada (ou Encruzilhada)

Escreva aí que tentamos morar juntos
Escreva aí que chegamos a viver juntos
Lavrando e semeando o mesmo chão
Fazendo e comendo o mesmo pão
E a fome foi maior do que a vontade de mastigar cada pedaço

Escreva aí que Deus ainda não foi achado
E houve quem correu e quem ficou sentado
Nessa nova era
Que falou desse novo homem
O tempo que passou, o fumo que queimou e ardeu nos olhos
De quem sonhou amar

Eu nasci em 1968. Em 71, tinha três anos de idade e gostava mesmo era do Topo Gigio (mas aos seis já era fã dos Almôndegas). Portanto estava blindado a grande parte do clima “reencontro geracional” que teve o show em homenagem ao Carlinhos na abertura do Em Cena. Melhor pra mim? Pior pra mim? O fato é que memória afetiva não havia (a não ser com Maria da Paz e Admirado por todos, do Paralelo 30, LP que eu gastei lá pelos 15 anos de idade – e Carlinhos e Nelson eram os meus preferidos ali). Com isso, eu escutava músicas, não lembranças. E aí, é preciso dizer, boa parte daquele repertório não faz muito sentido hoje, a não ser como o retrato de época e de um artista e personalidade essencial na cidade do festival, muito menos conhecido do que deveria. Mas quando se escuta uma canção como Memórias – ou tantas outras – fica aquele sensação de quanto ele ainda poderia ter feito. É como fazer um show com o melhor de, sei lá, Bebeto Alves, parando lá pelos seus trinta e tantos. Boa parte do melhor de Bebeto foi composto DEPOIS disso. Um depois que Carlinhos não teve.

Mas saindo do autor e indo para o espetáculo em si. A gente olha e pensa como faz falta pra uma cidade ainda tão amadora, onde a maior parte dos músicos fingimos um nível de realização de espetáculo que não temos, um espetáculo como esse. Absolutamente profissional em cada detalhe, pensado (creio que, basicamente, pelo Renê Goya e pelo Marcelo Delacroix, mas certamente com muita participação da imensa equipe) em mínimos detalhes, bem acabado num nível vários degraus acima da média do que é feito nessa cidade que, felizmente, tem momentos como o Em Cena para se iluminar e fingir um cosmopolitismo que não tem.
Parabéns a cada integrante e, na banda, a bela realização de um time de músicos advindos de praias as mais diversas, que não fecharam a sonoridade em algo que poderia ser datado – o que não seria grave nesse contexto – ou pavorosamente “modernizado”, como algumas vergonhas que já vi em espetáculos do gênero. Além de toda a competência da banda – os grandes Luciano Albo no baixo, Duda Guedes na bateria (que também toca percussão, mas não no mesmo nível) e Nicola Spolidoro (o que tá tocando de guitarra e violão a criatura!) -, também o carisma da linha de frente do palco tinha tudo a ver com o saudável e cativante clima de ripongagem reinante: Beto Chedid e Marcelo Delacroix, Vivi Schäfer e Mateus Mapa estourando de felicidade.

Showzão.
 
*Arthur de Faria é músico e jornalista

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