Felizmente,
Tomo suas mãos nas minhas tem mais do que um belo texto e ótimas
interpretações. O espetáculo, que estreou algum tempo e agora faz parte da
programação do 19o Porto Alegre em Cena, bem poderia receber uma
leitura simples, “despojada”, sem investimento. Não é. Leila Hipólito confere
ao trabalho uma direção dedicada nos mínimos detalhes, enriquecendo o essencial
com superfícies esteticamente potentes que engrossam os motivos para aplaudir a
sessão. No elenco, Roberto Bomtempo e Miriam Freeland oferecem um trabalho
conjunto de alta qualidade embasado em uma estrutura sólida. Na dramaturgia, a
troca de cartas entre o escritor Anton Tchekov (1860-1904) e a atriz Olga
Knipper (1868-1959), sua esposa até sua morte.
O ritmo é variante, coerente com a
estrutura que ele movimenta. Fernando Mello da Costa dá a ver um cenário que
reproduz um grande e alto camarim de teatro, cheio de malas, figurinos,
espelhos, objetos de cena, armários. Os cabides de roupas (araras) se
movimentam, criam ambientes, oferecem a possibilidades de espaço e, quando
levados, dão tempo para a fruição do anteriormente visto. Maneco Quinderé
ilumina aos poucos, como também aos poucos a história é contada: partes,
detalhes, contrastes valorizados e não apenas exibidos. Sabemos que Tchekov
morreu em 1904, então, a narrativa parte do desafio de narrar como foram seus
últimos anos e não apenas quais foram eles. Sabemos também que o dramaturgo
russo é um dos expoentes do gênero realismo psicológico, aquele que situa o personagem
na vertical, analisando o contexto narrativo a partir do interior de cada ser.
Então, a obra recebe como tarefa marcar território diante das obras de Tchekov,
separando ou unindo o homem que as escreveu. Tomo suas mãos nas minhas, e
esse é um dos seus méritos, não é um espetáculo sobre A gaivota, Tio Vânia
ou O jardim das cerejeiras, mas sobre o amor entre Anton e Olga e ambos em
meio ao teatro e ao inverno russo naquele início de século XX.
Roberto Bomtempo e Miriam Freeland
interpretam com delicadeza os personagens famosos que têm. É possível
identificar neles as diferenças de ritmo, avançando positivamente para o fim,
as nuances de personalidade, a doçura mútua entre os dois em meio a cinco anos
narrativos em que a história se estende. O jogo paira sobre regras diferentes:
a distância entre os dois, as dificuldades nos processos de ensaio e o medo da
recepção, as baixas na saúde, os enfrentamentos familiares e a distância
novamente. A direção de Leila Hipólito garante que os valores positivos
individuais se tornem méritos do grupo, e inclui-se a assessoria de arte de
Ilka Marinho Zanotto.
O texto de Carol Rocamora era
inédito no Brasil até 2010, ano desta produção. No palco, sua beleza permanece,
mas divide espaço com várias outros elementos bem empregados. A literatura se
torna teatro, a plástica se torna teatro, o movimento se torna teatro. E tudo
isso com delicadeza e preocupação. Simples e emocionante à princípio, complexo
e inteligente até o fim.
*Rodrigo Monteiro escreve para o blog Crítica teatral (www.teatrorj.blogspot.com)
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