quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Tomo suas mãos nas minhas por Rodrigo Monteiro


Felizmente, Tomo suas mãos nas minhas tem mais do que um belo texto e ótimas interpretações. O espetáculo, que estreou algum tempo e agora faz parte da programação do 19o Porto Alegre em Cena, bem poderia receber uma leitura simples, “despojada”, sem investimento. Não é. Leila Hipólito confere ao trabalho uma direção dedicada nos mínimos detalhes, enriquecendo o essencial com superfícies esteticamente potentes que engrossam os motivos para aplaudir a sessão. No elenco, Roberto Bomtempo e Miriam Freeland oferecem um trabalho conjunto de alta qualidade embasado em uma estrutura sólida. Na dramaturgia, a troca de cartas entre o escritor Anton Tchekov (1860-1904) e a atriz Olga Knipper (1868-1959), sua esposa até sua morte.
O ritmo é variante, coerente com a estrutura que ele movimenta. Fernando Mello da Costa dá a ver um cenário que reproduz um grande e alto camarim de teatro, cheio de malas, figurinos, espelhos, objetos de cena, armários. Os cabides de roupas (araras) se movimentam, criam ambientes, oferecem a possibilidades de espaço e, quando levados, dão tempo para a fruição do anteriormente visto. Maneco Quinderé ilumina aos poucos, como também aos poucos a história é contada: partes, detalhes, contrastes valorizados e não apenas exibidos. Sabemos que Tchekov morreu em 1904, então, a narrativa parte do desafio de narrar como foram seus últimos anos e não apenas quais foram eles. Sabemos também que o dramaturgo russo é um dos expoentes do gênero realismo psicológico, aquele que situa o personagem na vertical, analisando o contexto narrativo a partir do interior de cada ser. Então, a obra recebe como tarefa marcar território diante das obras de Tchekov, separando ou unindo o homem que as escreveu. Tomo suas mãos nas minhas, e esse é um dos seus méritos, não é um espetáculo sobre A gaivota, Tio Vânia ou O jardim das cerejeiras, mas sobre o amor entre Anton e Olga e ambos em meio ao teatro e ao inverno russo naquele início de século XX.
            Roberto Bomtempo e Miriam Freeland interpretam com delicadeza os personagens famosos que têm. É possível identificar neles as diferenças de ritmo, avançando positivamente para o fim, as nuances de personalidade, a doçura mútua entre os dois em meio a cinco anos narrativos em que a história se estende. O jogo paira sobre regras diferentes: a distância entre os dois, as dificuldades nos processos de ensaio e o medo da recepção, as baixas na saúde, os enfrentamentos familiares e a distância novamente. A direção de Leila Hipólito garante que os valores positivos individuais se tornem méritos do grupo, e inclui-se a assessoria de arte de Ilka Marinho Zanotto.
            O texto de Carol Rocamora era inédito no Brasil até 2010, ano desta produção. No palco, sua beleza permanece, mas divide espaço com várias outros elementos bem empregados. A literatura se torna teatro, a plástica se torna teatro, o movimento se torna teatro. E tudo isso com delicadeza e preocupação. Simples e emocionante à princípio, complexo e inteligente até o fim.
 
*Rodrigo Monteiro escreve para o blog Crítica teatral (www.teatrorj.blogspot.com)

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