Estamira é
uma criatura de uma potência avassaladora, com sua poesia improvável e sua
sabedoria de caminhos tortos e tão reveladores. Sim, ela está em todo lugar. Aparece em um corpo que não é o seu, na
atriz que a in-corpora, vibrando na mesma frequência e pulsação. O
trabalho de personificação de Dani Barros é impressionante, resgatando a mimeses
como um ato de amor. Lecoq afirma que "mimar es formar cuerpo con y
así comprender mejor" e que "cuando se ama, instintivamente se mima
en uno mismo al outro" (uso a tradução em espanhol porque me parece mais
clara que a versão em português). A atriz mima Estamira a partir de um
ato de afeto e desejo de compreensão, escutando-a com generosidade. Cada vez
mais, sinto que a atuação e o teatro dependem de uma questão de escuta.
Um de nossos grandes desafios, talvez o maior: escutar ao outro e ao mundo e à
própria pulsação, profunda e generosamente. Escutar Estamira é uma experiência
que transforma.
Há também a
voz da própria atriz na montagem, que transita entre as palavras de Estamira e
o universo da relação com sua mãe. A intensidade emocional no tratamento desse
universo de memórias atinge um grau altíssimo, transbordando do palco em uma
sessão catártica que chega em ondas até as poltronas da plateia. No entanto, ao
transbordar até mim, não deixa muito espaço para que eu transborde. Como diz
Estamira, muita informação não deixa espaço para adivinhação. A experiência
emocional intensa e particular que acontece no palco de certo modo limita meu
espaço de imaginação e emoção. (Na vida mesmo, quando me encontro em situações
em que alguém está especialmente abalado ou transtornado, minha reação é
assumir o oposto, ficar calma e tentar ajudar). Claro que outros espectadores
reagiram de outra forma, sons de choro ecoavam pelo teatro, havia uma atmosfera
sensível de emoção. Como o público não é uma massa uniforme, a jornada proposta
pela montagem pode acontecer de forma diferente para cada um. Reconhecendo a
intenção básica de acontecimento catártico, penso que não cabe analisar aspectos
específicos da encenação ou cenoplastia, pois tudo parece convergir em função
desse objetivo. Uma viagem a beira do mundo que é desenvolvida com coragem,
entrega e honestidade.
*Patrícia Fagundes é encenadora e professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS
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