Tomados
Pela criação
Tomo suas mãos nas minhas narra o encontro de dois grandes artistas: Anton Tchecov, escritor e dramaturgo russo - autor de uma obra fundamental e tocante -, e Olga Knipper, atriz de mesma nacionalidade de reconhecido talento e respeitabilidade. Ambos se encontram através de seus trabalhos junto ao Teatro de Arte de Moscou, tendo por testemunhas uma geração que ajudou a constituir as bases do drama e da encenação moderna, sem dúvida uma história que merecia ser contada.
Sabia que seria um bom
espetáculo, não é preciso ser pitonisa para prevê-lo: a qualidade dos criadores
envolvidos, as críticas da imprensa e os comentários de alguns amigos que
assistiram a montagem já me revelavam
isso. Ocorre que no período em que estou de minha vida e pesquisa como artista,
Tomo suas mãos nas minhas não seria
minha primeira escolha como espectadora, uma vez que tenho me interessado de
maneira mais profunda por espetáculos de feição contemporânea com narrativas
não lineares, nas quais o drama abandona a intersubjetividade e se instala
entre os elementos da encenação.
Mas o bom teatro é sempre
surpreendente. Deste modo fui sendo gradativamente conquistada pelo desempenho
preciso de Roberto Bomtempo e Miriam Freeland, os quais me fizeram reviver
certa paixão pelo trabalho atorial empático e emocionante. Suas presenças,
assim como as personalidades de Knipper e Tchecov são o eixo da peça. Em Tomo suas mãos...tudo se desenvolve em
torno das atitudes, ao mesmo tempo exuberantes e econômicas, do casal de atores
no quais se percebe um trabalho lapidado
por uma técnica segura de atuação.
No entanto, para mim, o
grande valor da peça, como em todo bom espetáculo, é seu conjunto, uma vez que consegue
expressar a riqueza e a contradição humana
que se desenvolve entre dois seres
excepcionais próximos mas distanciados devido a uma mesma paixão: a criação
artística. A peça é rica em paradoxos aos quais estiveram expostos a atriz russa
e seu escritor, suas vontades de estarem juntos celebrando seus afetos, ao
mesmo tempo em que a profunda admiração interpessoal e paixão pela cena, fazem
com que o amor ao teatro, no final das contas, seja ainda maior, separando-os
sem desuni-los.
Por sua vez, o que faz a
encenação de Leila Hipólito é encaminhar expressivamente os paradoxos já presentes
no texto, o qual constantemente altera o plano épico e a instância dialógica.
Desta maneira, a direção realça este sentido paradoxal da intimidade distante através
de uma iluminação atmosférica que separa as regiões do palco sem rigidez e uma
cenografia que expande e contrai os espaços cênicos múltiplos. Conduzindo a narrativa por meio de momentos de
parcimoniosa movimentação, Hipólito opta por uma marcação fluida e pela suavidade das transições, consciente de
que na cena o que se convulsionam são as
almas, não os corpos.
Todos estes elementos
contribuem para a criação do espetáculo de modo integrado, gerando instantes de beleza plástica e afetividade verdadeira muito bem
recebidos pelo espectador, o qual aceita o convite e é literalmente tomado pela
mão segura e afetuosa da montagem. Tomo suas mãos nas minhas é teatro
competente e primoroso, povoado de almas que se debatem, delicadamente.
*Jacqueline Pinzon é diretora e pesquisadora teatral
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