quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Nossa vida não vale um Chevrolet por Jeferson Cabral


Dar voz às sombras
     Desde a entrada no espaço em que se realizará a encenação, presenciamos a relação estabelecida entre esses seres humanos, que resistem à vida da maneira que podem. Indivíduos que ao nosso primeiro olhar exalam certa marginalidade, mas quando a história desse bando de seres começa a ser contada vemos que a alma humana é complexa em qualquer classe social.
     Mário Bortolotto, renomado dramaturgo paranaense e que também atua nos campos da direção e atuação teatral, nos apresenta na peça Nossa vida não vale um Chevrolet o desenrolar torpe de vidas repletas de incertezas e tragédias. Sentimos ressoar ao longe as vozes desses personagens que são excluídos da sociabilidade padrão de nosso meio social e levam suas vidas nos emaranhados caminhos do submundo.
     A ambientação deste universo de relações humanas voltadas para o crime foi construído no Centro Cenotécnico, que por sua energia e arquitetura nos transportam a um ambiente sufocante condizente com a proposta da encenação. O cenário nos remete ao interior de uma oficina mecânica constituindo um espaço único de encenação com diversos focos de atuação, pequenos universos que em determinados momentos dialogam. Os elementos espalhados pelo espaço são uma reinvenção de artefatos metálicos, que se transformam em objetos de cena. Esses elementos juntamente com os figurinos formam uma estilização urbana de um ambiente soturno, que esconde as aspirações secretas de cada personagem.
      A história narra a trajetória de irmãos após a morte de seu pai. Esse é o mote que revela a desestrutura familiar em que se encontram, pois sua mãe também vive uma vida longe dos filhos. A maneira que essa família encontrou para sobreviver foi a criação de uma quadrilha de roubo de carros, atividade que o irmão mais novo Slide (Duda Cardoso) não consegue exercer com o mesmo empenho e acaba preso. Uma trama paralela ocorre com os irmãos, eles conhecem e se relacionam com a mesma mulher. Essa ramificação da trama confere uma atmosfera poética à peça, porque os desencontros e a busca por preencher o vazio da existência é o ideal de vida de Silvia (Morgana Kretzmann), personagem que vive com suas perdas e novas possibilidades de ser feliz e acaba sua trajetória no mesmo estado em que iniciou; e os irmãos são peças desse quebra-cabeça da solidão. Existe outro núcleo na história composto pelos personagens Suruba (Guilherme Zanella), Love (Plínio Marcos) e Guto (Carlos Azevedo), esses personagens exercem sua função dentro do meio social em que vivem, como o agenciador de lutas, o gogo boy e o viciado em cocaína e perpassam o caminho trilhado pelos irmãos no decorrer da história.
     A direção de Adriane Mottola é repleta de inventividade. A encenação obteve um ritmo que me prendera a atenção até seu final eletrizante, em que vemos a família se desestruturando em um embate de laços de sangue, que é o único elo desses irmãos que acabam destroçados por estarem sempre sendo alimentados pelo sentimento de falta. A montagem nos preenche de energia e reflexão sobre o olhar que damos a esta realidade, pois basta olharmos para algumas esquinas e as presenciaremos.
     Em Nossa vida vão vale um Chevrolet, vemos a força do teatro gaúcho em uma produção rica em detalhes e excelência artística.
*Jeferson Cabral é graduando no Departamento de Arte Dramática da UFRGS

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