Antes do silêncio, montagem mineira, é uma livre adaptação da
obra de Samuel Beckett., em que o excelente ator
Rodolfo Vaz contracena com a atriz Kelly Criffer.
A imagem inicial é
sugestiva: o ator sentado de costas pra plateia, com o chapéu apoiado nos
ombros, parecendo um espécie de homem sem cabeça ou então de uma cabecinha
esmagada pelo peso do mundo. O cenário, um amontoado de cadeiras, cama, objetos
empilhados, lembram uma casa abandonada, um beco ou um lugar em ruínas. Uma
grande janela atrás, que serve de sugestão de interior e algumas vezes também
de exterior, de onde a mulher aparece aos olhos do homem.
No início da peça o homem,
ainda de costas, levanta lentamente o chapéu e no lugar da cabeça, o vazio. Em
seguida leva a cabeça ao chapéu, criando um gesto potente de significados, por
ser exatamente o contrário do habitual.
O personagem conta quando
seu pai diz: Chegou a hora de você ter seu chapéu. E o filho homem, narrador de
sua história, comenta diretamente ao público: Como se o chapéu já existisse
antes, como se já estivesse em um lugar determinado. E lemos que talvez o vazio
do buraco do chapéu ou o oco do seu mundo já esperasse sua cabeça, de antemão.
Um bom começo que é amassado por um texto sem fim.
O ator personagem muito
próximo do proscênio dirige-se diretamente à plateia narrando fragmentos de sua
vida e destrinchando sua visão de mundo, sua condição diante de sua história e sobretudo diante das
lembranças de uma mulher.
Os momentos em que a cena
sugere a lembrança do velho, quando a lembrança se torna corporificação de um
encontro impedido pela própria impotência diante do amor, em jogos de
sensualidade e desconforto do homem são os momentos mais potentes da peça,
criando imagens que quase chegam a nos lembrar da realidade árida do mundo de
Beckett.
Mas o texto é o mais
importante na peça, sendo apresentado o tempo todo numa narração do personagem
com o público, num discurso direto. Alguém que fala, fala e fala e justamente
por isso cria uma incongruência entre o discurso e a ação - a ideia de criar
espaços entre as palavras – de criar espaço para o silêncio ou de prepará-lo.
Antes do silêncio é fala e uma fala fechada, toda
dada pela voz do personagem que não gera suporte para os vazios e para o
inusitado de personagens presos em um mundo sem saídas, que o próprio Beckett
propõe o tempo todo em sua obra. O silêncio do título, o silêncio irreversível
da escuta e do acontecimento quase não tem vez na peça, o que gera uma espécie
de previsibilidade e monotonia restritiva e não potente, apesar de ser claro
que não é isso que o grupo quer passar. Sou posta mais como ouvinte passiva das
palavras do homem que como testemunha de um pensamento, de um movimento que
estaria escondido por detrás destas palavras. Isso não me permite criar relações
com um outro tempo, com um outro mundo, ou seja, com a de outros homens ou com
a minha própria realidade de
espectadora, que não aquela daquele homem específico e suas voltas com suas
lembranças. Essa restrição do discurso, tão direta, leva a lugares predeterminados,
ou seja de um teatro fechado, dado, previsível.
Mas claro, nem tudo é só
formalmente fechado, acontecem boas escolhas de algumas ações que são mais
abertas simbolicamente, como o giro do homem com um braço nas costas como a de
um cachorro correndo atrás do próprio rabo, o jogo quente e sensual entre os
atores e a imagem final do homem assistindo imobilizado o vulto distante da
mulher pela janela, um não amor, um não encontro, uma não realização diante da
vida.
Destaco o desenho
incrivelmente sensível da luz, que engrandece as intenções da montagem criando
um clima denso, quente, profundo. A iluminação sim estimula nossa imaginação e
nos transporta prum mundo mortalmente vivo, humano, cheio de contornos,
arestas, sombras e mistério.
Apesar de em alguns
momentos as palavras de Beckett se elevarem e retumbarem aos nossos ouvidos
diante do aparato cênico, em Antes do
silêncio o texto é dado - como encenação e não como atuação - num ritmo
monótono e linear perdendo sua força justamente porque é um texto que deveria
ser ouvido, visto, sentido, como um corpo por si só. Confesso que pra mim o
resultado final beira mais a um filme noir – sem querer menosprezar os filme
noir, que adoro, mas simplesmente porque parece que aquele espaço vazio
preenchido pela encenação não parece que toca no ponto que se inspira, o de um
mundo sem saída, sem lugar, tragicômico e delirante de Beckett.
Gostei muito do seu
poeminha disse alguém a Mario Quintana. Obrigada pela sua opiniãozinha
respondeu o poeta. Pois essa é minha opiniãozinha: Assisti à peça sem me deixar
afetar – apesar de ter querido.
*Tatiana Cardoso é atriz, professora
da graduação em Teatro: Licenciatura da UERGS e diretora do Teatro Torto
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