sexta-feira, 22 de agosto de 2014
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Inscrições para o 21º Porto Alegre em Cena (edição 2014)
As inscrições de espetáculos para o 21º Porto Alegre em Cena estarão abertas de 4 de novembro de 2013 a 21 de março de 2014, para produções internacionais e nacionais (incluídos os produzidos no interior do RS, fora da cidade de Porto Alegre). Espetáculos locais (produções porto-alegrenses) terão a data de inscrição divulgada oportunamente, durante o primeiro semestre de 2014.
Os procedimentos para inscrever seu espetáculo são:
* Envie, via correio, DVD do espetáculo na íntegra e a ficha de inscrição
A inscrição só será efetivada após o recebimento do material pelo correio. O endereço para envio é:
21º Porto Alegre em Cena
Travessa Paraíso, 71
Porto Alegre, RS
Cep 90850-190
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Inscrições para o Porto Alegre em Cena
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Peep classic Ésquilo por Gustavo Susin
Quem sabe fazer
tragédia? Quem sabe fazer teatro? Quem sabe assistir teatro?
Peep classic Ésquilo, de
Roberto Alvim, é um estudo sobre os textos antigos de Ésquilo. Apresentado em
três dias, o projeto encena todas as peças escritas pelo dramaturgo grego, ao
longo de três encenações. Fui convidado pelo blog do Poa em Cena a assistir a
terceira e última peça da trilogia proposta por Roberto Alvim, a encenação de
Oresteia I e II.
Na experimentação,
pode-se tudo. O teatro, assim como o aceitamos, desde a invenção da caixa
cênica, é constantemente testado, através de seus infinitos recursos, na busca
de se redescobrir o fazer teatral. Ora se opta pelo bruto, ora por inúmeras
camadas carregadas de significado, tudo em torno de fazer surgir o
“acontecimento”.
Mas quem sabe hoje como
se montava, ou assistia, uma tragédia grega no século V a.C? Ninguém que é
vivo nos pode contar; muito menos existem registros de fotos ou imagens. São
relatos, deduções e manuscritos históricos que nos levam a tentar reconstruir
artificialmente as condições em que as encenações destes textos eram
apresentadas. Eu creio que talvez houvesse máscaras, figuras gigantes, vozes
poderosas. Os atores deviam ser selecionados a dedos, com biotipos específicos.
O sol devia bater contra os olhos, nascendo atrás do palco, ofuscando a
plateia, criando a sensação de uma aura divina em torno do espaço de encenação.
O silêncio imperava sobre toda a plateia, de milhares de cidadãos. Do palco, só
se enxergava vultos. Tudo conforme os deuses queriam. Hum... Será que era
assim?
Eu, espectador do século XXI, 29 anos de
idade, realmente saí com muitas dúvidas sobre o objetivo das opções cênicas
realizadas pelo diretor, que me fizeram, simplesmente, não conseguir apreciar o
espetáculo. Não consegui ver o rosto dos atores, não consegui ver figurino, não
vi qualquer ação cênica que me remetesse a outro espaço (nem o grego), não
consegui ver o cenário. Não vi outra simbologia expressada a não ser pelas
palavras e pelo movimentar retilíneo, lento e direto dos personagens. Um
espetáculo todo feito na penumbra, com atores (ou melhor: suas silhuetas) se
movendo como bispos e peões em um tabuleiro. Ao fundo, uma luz fria ofuscando a
plateia. Como aquela mesma áurea divina.
De início, com aquela
luz e aquela densidade apresentada, achei que fosse ver um espetáculo
extremamente imagético, com o palco se transformando em verdadeiras paisagens.
Me excitei. Algo tipo Gertrude Stein. Acho que foi por isso que veio a
decepção, depois não aconteceu mais nada. Em certos momentos, me arrisquei a
fechar os olhos, pois pensei que talvez não houvesse nada para ser visto. E
então me lembrei das dublagens de filmes estrangeiros. Especialmente de desenhos
infantis. Vozes caricaturais se espalhavam pelo teatro, fazendo-me prestar
atenção muito mais nas variações e técnicas vocais dos atores do que
propriamente no texto. Não consegui me emocionar. Não consegui me envolver. Não
consegui observar as opções da tradução realizada. Mas eu realmente não entendo
nada de Tragédia, então essa opinião não deve ser levada tão em conta.
Mas então, eu me
pergunto: como fazer um texto clássico hoje? Não sei. Já vi algumas tragédias,
e, incrível, sempre gosto das encenações. Mas nesta, como não enxerguei nada, e
não me envolvi com as interpretações, não me empolguei. Acho que este trabalho
do imprescindível Roberto Alvim tem uma enorme relevância no campo da pesquisa
e investigação, deixando um belo legado para os aficionados pela temática
clássica. Mas, no ponto de vista de entretenimento, não foi das experiências
mais apaixonantes. Paciência, azar foi o meu.
* Gustavo Susin é ator e jornalista
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Gustavo Susin,
Peep classic Ésquilo
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Eu estive aqui por Rodrigo Rocha
Ó... deixa eu falar! Não entendo muito de dança, ok? Entendo o que gosto e o que não gosto, e sei avaliar o que está posto em cena... Afinal, a força do meu trabalho me ensinou algumas coisas, certo? Então vamos lá!
Acabo de chegar do espetáculo Eu estive aqui da Porto Alegre Cia de Dança e cara... Poderia falar horas sobre o que vi e senti... Mas vou me deter aos fatos que mais me saltaram aos olhos:
Primeiro: Um espetáculo 100% monocromático e monocórdico. Explico, pois é simples. Todo ele concebido em preto e branco e com uma (ou várias) músicas que ficavam repetindo, repetindo, repetindo até trocar. Falando assim, é um espetáculo chato né? Não! Pelo contrário, um espetáculo colorido por coreografias limpas, bem executadas, emocionadas e emocionantes, que te dão uma vontade louca de sair repetindo os movimentos.
Segundo: Uma iluminação magnífica do Maurício Moura, que não é de hoje se sabe entender bastante de iluminação para dança, mas que a cenografia aprontou um desafio para ele no momento em que fechou a caixa cênica nas laterais. O pouco que sei de iluminação para dança e que aprendi com o próprio Maurício quando ele fez a luz de Exercício sobre a cegueira, espetáculo que fiz com Camilo de Lélis, é que iluminação para dança deve priorizar as laterais para dar volume aos corpos. Bem, com a caixa cênica fechada dos lados, é impossível, mas mesmo assim, a luz estava linda. Toda em branco e resistência, mas que valorizou e muito os bailarinos e as coreografias.
Terceiro: Movimentos precisos, simples e limpos e de um bom gosto primoroso que dão a sensação de serem banais. Portagens simples e silenciosas, limpas e bem executadas, corpos vivos em cena e a sensação nítida de que daqui a pouco um deles ia sair voando pelo palco e aterrisar na plateia.
Sempre digo ter pavor do tal de "pós-dramático" pois quando vou ao teatro quero ouvir histórias e não ter sensações, pois se é para ter sensações, vou a um espetáculo de dança... Bem, seguindo essa lógica criada por mim, tive várias sensações lindas assistindo Eu estive aqui. Outra lógica minha, é que o espetáculo é bom quando eu sinto vontade de estar em cena. Bom, seguindo essa outra lógica criada por mim, é um ótimo espetáculo que eu recomendo 100%. Deve ser assistido, até mais de uma vez se possível.
Bravo POA Cia. de Dança! Lindo trabalho.
* Rodrigo Rocha é ator e produtor teatral
Segundo: Uma iluminação magnífica do Maurício Moura, que não é de hoje se sabe entender bastante de iluminação para dança, mas que a cenografia aprontou um desafio para ele no momento em que fechou a caixa cênica nas laterais. O pouco que sei de iluminação para dança e que aprendi com o próprio Maurício quando ele fez a luz de Exercício sobre a cegueira, espetáculo que fiz com Camilo de Lélis, é que iluminação para dança deve priorizar as laterais para dar volume aos corpos. Bem, com a caixa cênica fechada dos lados, é impossível, mas mesmo assim, a luz estava linda. Toda em branco e resistência, mas que valorizou e muito os bailarinos e as coreografias.
Terceiro: Movimentos precisos, simples e limpos e de um bom gosto primoroso que dão a sensação de serem banais. Portagens simples e silenciosas, limpas e bem executadas, corpos vivos em cena e a sensação nítida de que daqui a pouco um deles ia sair voando pelo palco e aterrisar na plateia.
Sempre digo ter pavor do tal de "pós-dramático" pois quando vou ao teatro quero ouvir histórias e não ter sensações, pois se é para ter sensações, vou a um espetáculo de dança... Bem, seguindo essa lógica criada por mim, tive várias sensações lindas assistindo Eu estive aqui. Outra lógica minha, é que o espetáculo é bom quando eu sinto vontade de estar em cena. Bom, seguindo essa outra lógica criada por mim, é um ótimo espetáculo que eu recomendo 100%. Deve ser assistido, até mais de uma vez se possível.
Bravo POA Cia. de Dança! Lindo trabalho.
* Rodrigo Rocha é ator e produtor teatral
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Eu estive aqui,
Rodrigo Rocha
Vencedores do 8º Prêmio Braskem em Cena
Em cerimônia realizada na noite de 23 de setembro, no Theatro São Pedro de Porto Alegre, foram entregues os troféus Braskem em Cena. Além do troféu, os vencedores recebem um prêmio em dinheiro (R$ 20.000,00 para o Melhor Espetáculo e R$ 3.000,00 para as categorias de Melhor Direção, Ator, Atriz e Destaque). A comissão julgadora foi formada pelos jornalistas Alice Urbim, Luiz Gonzaga Lopes, Michele Rolim, Newton Silva e Vera Pinto. Os vencedores foram:
NATALÍCIO CAVALO
Melhor Espetáculo pelo júri oficial
CAMILA BAUER
Melhor Direção por Estremeço
HAMILTON LEITE
Melhor Ator por O baile dos Anastácio
THAINÁ GALLO
Melhor Atriz por A noite árabe
RAUL VOGES
Prêmio Destaque pela cenografia de Casa das especiarias
O BAILE DOS ANASTÁCIO
Melhor Espetáculo pelo júri popular
Com a palavra Dilmar Messias, o padrinho do 20º Porto Alegre em Cena
Agradeço imensamente a homenagem que o 20º Porto Alegre em Cena me prestou
concedendo-me a lisonjeira distinção de Padrinho desta edição, no momento em que
completo 40 anos de direção teatral.
Sou um homem privilegiado, e o sou ainda mais desde que escolhi ou fui escolhido pelo ofício que abracei. Quando entrei no Curso de Arte Dramática tive
como mestres Luiz Paulo Vasconcellos e
Maria Helena Lopes; como primeira referência, o Província do Luiz Arthur e o
Arena do Jairo de Andrade; como colegas
e amigos Sandra Dani, Irion Nolasco, Maria Lucia Raimundo, Lurdes Eloy,
João Pedro Gil, Inês Marocco, Carlos Cunha, Leo Ferlauto e Camilo Bevilacqua. Tive
a oportunidade de conhecer o Gerd Bornheim, o Alziro Azevedo e de conviver com os
dramaturgos Ivo Bender, Carlos Carvalho,
Caio Fernando Abreu, Vera Karan, Julio Conte, Julio Zanotta e com os
diretores Nestor Monastério, Irene Brietzke, Paulo Albuquerque, Luciano
Alabarse, Paulo Flores, e Camilo de Lélis, que me inspiraram fortalecendo
minhas convicções. Trabalhei com atores como os saudosos Luiz Carlos de
Magalhães, José Gonçalves e Leverdógil de Freitas. Tenho tido a sorte de
trabalhar com inesquecíveis e talentosos atores, atrizes, acrobatas e palhaços
e conhecer outras tantas queridas figuras dos palcos e picadeiros que faltaria
espaço e tempo para mencioná-los. Vejo com alegria e otimismo uma nova e
vibrante geração já ocupando seu espaço na cena gaúcha, com quem espero dividir ainda um bom tempo, mesmo
sabendo das vicissitudes que teremos que
enfrentar, mas este não é o lugar nem o
momento para lembrá-las.
Sou um homem privilegiado, conseguimos
plantar no bairro Bom Jesus um acalentado projeto chamado Circo Girassol - o
circo para todos, e reunir um grupo de artistas e colaboradores especialmente
dedicados: o Tuta, Jé, Anderson, Diego, Andréa, Hálida, Walter, Deise, Carol, Gelson,
Stone, as Simones Rorato e Rasslam, Yanto, Musklinho, Farinha, Psico, Rodrigo, Silvia, meu irmão Darcilio e minha
mulher Débora Rodrigues.
Agradeço a lembrança, mas a destacada
homenagem deste 20º Porto Alegre em Cena devemos, sinceramente, à grande figura deste festival, o seu
organizador nestes anos todos: o querido amigo, sensível e aplicado diretor de
teatro, Luciano Alabarse, pela sua capacidade e competência de conduzir o Em Cena
durante estes 20 anos em permanente evolução, transformando-o num dos mais
importantes festivais do país, respeitado e reverenciado nos grandes centros
culturais. Nós artistas sabemos das imensas dificuldades que encontram aqueles
que dedicam seu tempo em benefício das causas coletivas, seja pela
incompreensão e pelo individualismo de alguns, seja pela
precariedade dos projetos e propostas de fomento. Mas a despeito das
dificuldades, este evento se mantém como resultado de um grande esforço, de
absoluta dedicação e superior generosidade do Luciano.
Em
tempo: Ontem fui presenteado com a bela atuação da Sandra
Dani em Oh os belos dias. Acompanho a sua carreira desde o início, fomos
colegas no Curso de Arte Dramática. Sandra sempre foi uma atriz exuberante, de
uma energia e entrega exemplares, por isto admirável. Neste espetáculo tive a
oportunidade de ver a Sandra, como num passe de mágica, transportar toda a sua energia,
para uma personagem quase imóvel,
enterrada até a cintura e com contenção
esmerada, desvendar a complexidade do texto palavra por palavra, controlando
tempos e intenções com uma intimidade invejável. Fiquei tomado de grande emoção
ao vê-la tão plena em seu ofício.
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Dilmar Messias,
Padrinho do festival
Esta criança por Natasha Centenaro
Esta criança: as relações familiares no espaço
da casa
É quando se
entra em casa, que se descobre como realmente é o cotidiano de uma família,
como são as relações das pessoas, entre si, e com os cômodos, com os móveis, os
objetos. Nesse momento, é revelado o psicologismo de cada indivíduo dessa
família, num microcosmo. Conforme Gaston Bachelard, em A poética do espaço (1960), toda ação está contida no espaço, mas
para que essa se torne efetiva, é necessário permitir à imaginação que recorra
ao inconsciente e busque evocá-lo, pois não se trata de uma descrição apenas. Para
o autor, a casa, à primeira vista, é um objeto que possui uma geometria rígida,
cuja linha reta domina. Funcionaria, assim, como um objeto resistente às
metáforas de acolhimento do corpo e da alma. Essa ligação com o humano,
entretanto, acontece de imediato, desde que se entenda a casa como um espaço de
conforto e intimidade. A casa é um corpo de imagens próprias que garantem aos
seus moradores razões ou ilusões de estabilidade. Ela tem sua verdadeira alma e
psicologia. Esse estado de alma da casa pode refletir diferentes estágios,
dentre esses, a casa-sofrimento pode ser percebida como extensão do corpo do
próprio indivíduo refletindo tal espírito.
As
dez cenas curtas, esquetes, ou quadros, de Esta
criança, originalmente em francês Cet
Enfant, de autoria de Joël Pommerat, acontecem num espaço que poderia
encaixar-se na definição de casa de Gaston Bachelard, com uma geometria rígida,
mas que abriga a intimidade daqueles 22 personagens e possui alma própria. O
retângulo vazado que avança às primeiras filas de assentos da plateia está
posto de forma lateral, para que se possa enxergar o interior desta sala de
apartamento, quarto de casa, sala de um hospital ou necrotério, hall de um
edifício. Ao público é proposto que se aviste tudo assim, lateralmente, cujo
olhar enviesado fica na dúvida se deve entrar de vez e penetrar à intimidade
desses personagens ou ficar na soleira da porta, no limiar da invasão, do
externo para o interno. Os próprios personagens movem-se com essa dinâmica, do
exterior para o interior, do interior para o exterior, às vezes sem entrar
totalmente, às vezes sem poder sair. As paredes pintadas de verde, como as
paredes de muitas residências que eu conheço, os móveis, poucos, a poltrona, algumas
cadeiras, que são modificadas de lugar conforme a cena (a sala de espera do
necrotério, a sala da casa, o corredor do prédio). De maneira curiosa e ainda
mais proposital ao efeito da alma desta casa, os vãos por onde a luz entra
estão dispostos como se fossem janelas fixadas no teto. A alma desta casa
acontece na peça e é ressaltada pelo cenário de Fernando Marés e pela
iluminação, num jogo instigante e cativante de luz e sombra, de Nadja Naira
(que faz também a assistência de direção). E é por isso, que esse espaço (a
casa-retângulo) se transforma no elemento real buscado pelo texto de Pommerat, conquistado
pelas atuações do elenco Giovana Soar, Edson Rocha, Ranieri Gonzalez e Renata
Sorrah, e pela direção de Márcio Abreu.
A
busca pelo real. Sem reproduzi-lo. É o objetivo do texto do autor francês e de
muitos dos trabalhos da Companhia Brasileira de Teatro, sediada em Curitiba. E
que os porto-alegrenses puderam assistir em outras duas ocasiões, em 2012 no
Festival Palco Giratório, com a peça Oxigênio,
e neste ano, na Cena Paranaense do Festival do Teatro Brasileiro, com Vida, além da reapresentação da primeira.
Assim como o texto do dramaturgo francês também é conhecido do público da
capital, pois foi encenado pela Cia Stravaganza com Estremeço, ambos traduzidos pela atriz Giovana Soar (o de Esta criança com a colaboração de Lilian
Ruth de Sá). A confluência desta procura pelo real parece ter encontrado o
ápice nesta montagem. Ainda que sejam dispensados certos recursos
característicos da CBT, como o teatro narrativo e a ausência irrestrita da
quarta parede, ainda é possível perceber os momentos de interferência e de
quebra narrativas, quando, por exemplo, os atores Ranieri Gonzalez e Edson
Rocha cantam (uma das marcas da companhia: o uso da música ao vivo), antes de
começar outro fragmento, ou nas cenas em que o elenco fala o texto voltado
diretamente para o público, ou então, quando a luz, como quinto integrante
deste elenco, ilumina a plateia e tenta, com isso, invocar o sentido de
alteridade/identidade provocado por essas relações familiares e evocar
lembranças: enxerguem-se, olhem-se, avistem-se, é você em casa, é a sua casa, você
é mãe, pai, filho.
A
mãe que quer a felicidade e o melhor para o seu filho, esta criança tem que ser
feliz, descontando de si mesma as próprias frustrações com a vida; a mãe que
entrega o seu filho para que pais com melhores condições financeiras e,
aparentemente, psicológicas, possa cuidá-lo; a assistente social que tenta
resolver os conflitos de um filho que agride o pai, o qual não pode trabalhar;
a mãe que se desculpa com a filha pelo tratamento e as cobranças; a mãe que
busca no filho a solução para os seus problemas e a filha que não entende o
pedido de um pai e a sua situação. Relações cotidianas. Vivenciadas em cena e
fora dela. E por mais que a previsibilidade do desfecho do quadro em que as
duas mães estão no necrotério para identificar o suposto corpo do filho de uma
delas, o texto de Pommerat atinge o grau máximo de perturbação e revelação do
que pode a alma de um indivíduo: o alívio por não ser o meu filho e o pavor por
ser o filho da outra. É o riso. Para, em seguida, vir o pranto. Quase que simultâneos.
Atuações
que beiram o real, sem ser realistas. Se o exagero do riso dessa mãe ou o
excesso dos gritos da mulher ao parir e da violência do filho para o pai
contrastam com os gestos contidos, aprisionados, da mãe na poltrona e da
classe, elegância, do casal ao receber a doção do filho pela progenitora,
indicam o caminho escolhido pela direção de Márcio Abreu, em que nada é
supérfluo, nem a entonação trabalhada ou a mão fechada. Os quatro atores se
revezam nos papeis, em opções de equilíbrio (deixando vazar ou não permitindo
tal acesso) os conflitos internos, as psicologias, as intimidades e as almas
desses pais, mães, filhos. Não é possível destacar uma cena ou um intérprete,
pois é o conjunto que prevalece. Embora, as duas cenas que, particularmente, a
mim, motivaram-me a vasculhar o inconsciente e fixaram-se como novas
referências imagéticas, foram a do parto e a da identificação do corpo. Eu sei
que, ao me perguntar sobre partos e necrotérios, a minha mente acionará,
instantaneamente, essas duas imagens. E ainda escuto: “Doutor, e se essa
criança não quiser sair?”. Como eu tive medo de que, talvez, essas observações
não quisessem saltar para o papel.
Se,
para Bachelard a casa pode garantir razões ou ilusões de estabilidade, o texto
de Pommerat e a montagem da CBT parecem reafirmar esse discurso. As razões para
a estabilidade, em certos momentos, não passam de meras ilusões para aqueles
personagens. As paredes verdes, o teto e suas janelas, o aparente conforto da
residência, a estabilidade física, a arquitetura rígida, as formas retas, negam
a instabilidade emocional, as dúvidas, os desconfortos das relações familiares.
Por outro lado, a casa também pode ser a evidência desse sofrimento, a
verdadeira casa-sofrimento de Bachelard, e uma fenda surge na casa-retângulo, a
parede do fundo se abre, o cenário é movido, já não há mais um ângulo reto
entre as paredes, há um espaço aberto, uma lacuna, uma brecha, por onde essa
relações de pais, mães, filhos e filhas escorre. É quando o filho fugiu da mãe
dominadora. E se esvai pelo espaço.
*
Natasha Centenaro é mestranda em Letras – Escrita Criativa (PUCRS), jornalista
e escritora
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Natasha Centenaro
domingo, 22 de setembro de 2013
Sobre o conceito da face no filho de Deus por Edelcio Mostaço
Castellucci e o juízo de Deus
A cena é uma porrada.
Desferida bem no centro do rosto, naquele ponto entre os olhos que os místicos
costumam julgar como do terceiro olho. O espectador fica aturdido, sem
respiração, ao final dos sessenta minutos de Sobre o conceito da face no filho
de Deus, uma das emblemáticas encenações de Romeo Castellucci para a Socìetas
Raffaello Sanzio (2010) apresentada como atração maior da vigésima edição do
Porto Alegre em Cena.
Como outras criações da
companhia, também essa coloca em cena não um mero jogo teatral, mas um teorema ontológico
complexo, cuja substância conceitual deve ser perquirida pelo espectador. São
apenas três cenas: na primeira, a mais longa, um filho dedicado cuida de um pai
decrépito que se desfaz em fezes; na segunda, crianças jogam granadas contra a
figura de Cristo; e a derradeira, quando essa mesma figura se auto dissolve.
As cenas não possuem
advérbios ou conjunções cênicas interligando-as ou subordinando-as, de modo que
subsistem isoladas. O que, por si só, resume o aspecto enigmático do conceito
possível, descortinando possibilidades interpretativas as mais instigantes. A
primeira cena (pode-se dizer quase a totalidade do espetáculo, pois ocupa 55
minutos) oferece o fino ambiente de um apartamento de um executivo bem
sucedido, imaculadamente branco, todo branco. Atrás, em desmesurado tamanho, um
recorte da face do Jesus Cristo pintado por Antonello da Messina
(c.1430-c.1479). O pai é nele introduzido através de dois maquinistas que o
amparam desde as coxias e o sentam no sofá branco onde assiste TV com dois
enormes fones de ouvidos também brancos. O filho, ao entrar, logo começa o
diálogo em torno da doença que o acomete, dos remédios que tem de tomar, dos
cuidados que deve observar depois que ele sair. Ele traja impecável terno e
gravata e confere recados no celular.
O velho, contudo,
reclama que fez cocô. O rapaz, com a benemérita alma daqueles que nasceram para
reverenciar os mais velhos, tira o paletó e inicia um longo ritual de troca de
fraldas do vetusto senhor. Com variações de intensidade e com crescente
angústia entre ambos, esse mesmo ritual de purificação ocorre por mais três
vezes, a cada um deles aumentando a diarreia do pai, até o palco ficar transformado,
literalmente, numa enorme poça de matéria fecal. A interpretação dos atores é
acentuadamente naturalista, bem como os recursos cênicos nela empregados, o que
leva a plateia a experimentar dois sentimentos contrários: o asco e o
maravilhamento.
O primeiro resulta dos
momentos iniciais, quando se constata o que a peça vai abordar; o segundo advém
daquele sentido freudiano elementar de fascínio pelos excrementos e, do ponto
de vista cênico, do jogo de teatralidade que Gianni Plazzi (o pai) e Sergio
Scartella (o filho) imprimem às criaturas que lhe foram destinadas por Romeo
Castellucci, autor e encenador desse teorema.
Dada a lentidão da cena
em seu ritmo natural, a plateia tem tempo suficiente para procurar em seus
arquivos mentais outras atribuladas relações pai/filho, tais como a Carta ao
pai, de Kafka, ou os soturnos episódios de Os irmãos Karamazov, de
Dostoiévski. É possível, é claro, regredir à Bíblia e dela selecionar passagens
escolhidas; ou ainda evocar o pantagruélico Gargântua, assim como outras
figuras que a imaginação de cada qual mobilizar. A cena é construída com tal
precisão que não deixa de conter alusões, claros, entradas possíveis ao
devaneio dos espectadores.
Para a teoria do
teatro, não há como deixar de evocar Artaud e seu mais que profético Para
acabar com o juízo de Deus, uma vez que seus princípios centrais informam a
poética de Castellucci em várias acepções. “A palavra teatro soa (...) para mim
(...) como uma palavra de herança bizantina e inflexível: ‘iconoclastia’”,
escreveu ele em “Os peregrinos da matéria”, conjunto de textos onde expôs suas
ideias sobre poética cênica (CASTELLUCCI, Romeo e Cláudia. Les pèlerins de la matière. Besançon: Les Solitaires Intempestifs, 2001, p. 99). Iconoclastia esta que vai se aprofundando ao final de sua realização. Na
segunda cena um garoto entra em cena com uma bola de basquete e uma mochila.
Deposita a bola ao lado, abre a mochila e dela vai retirando granadas para jogar
contra a imagem de Cristo. É seguido por outros colegas, até o palco restar
forrado daqueles petardos. Concluída a agressão, eles abandonam o palco com a
mesma reverencial atitude com que entraram. É então que a cena final descortina
todo um refinado procedimento cênico: a
figura de Cristo começa a escorrer tinta, borra-se toda, agita-se, contorce-se até
restar literalmente despedaçada e, por trás, revelar uma frase em inglês,
profusamente iluminada: you are my shepherd
(você é o meu pastor). Há, contudo, um derridiano
not após o verbo, sem
iluminação, o que altera e introduz a diferença ao sentido bíblico ali
depositado.
Dialética
ou regime?
Como equacionar as três
cenas? De um ponto de vista mais tradicional, poderíamos ser levados a tentar a
dialética: tese, antítese e síntese completando seu ciclo revolucionário e
proponente de uma nova espiral para o real. Se a opção, entrementes, recair
sobre Lacan, os três registros da psique: o real, o simbólico e o imaginário enquanto
irredutível equação da subjetividade. E se tentarmos outras lógicas, talvez
seja possível evocar a desconstrução, onde teríamos uma parábola, um símbolo e
uma epifania, sucessão de regimes narrativos sugeridos pela arquitetura de cada
cena.
Em suas declarações,
Castellucci é vago, impreciso, deixa ao espectador fazer seu jogo mental. Razão pela qual a teatralidade me parece um
percurso menos acidentado e mais condizente com sua natureza. A primeira cena
contrapõe o naturalismo das interpretações ao simbolismo da cenografia, de onde
resulta um choque semântico interessante entre fundo e forma: ainda que com
refinados aparatos técnicos de apoio (fraldas, cadeira de rodas, remédios etc),
o homem não conseguiu ainda resolver ou curar um estágio elementar de sua
fisiologia anômala: o controle intestinal que o acomete na decrepitude. Isso
impõe ao filho um caritativo devotamento, uma irrevogável missão ética da qual
não consegue se safar. Tal interpretação encontra apoio no gesto final do
rapaz, ao aproximar-se da imagem de Cristo e beijar-lhe a boca. É não apenas a
reverência diante do divino, como seu reconhecimento e aquiescência. Razão pela
qual, a cena adquire todos os contornos da parábola.
A segunda cena efetua um
esboço quase épico: o garoto entra, deposita sua bola, com gestos meticulosos e
quase ensaiados retira uma a uma as granadas e as arremete contra a imagem ao
fundo. Secundado pelos demais que vão adentrando, as ações se repetem com
inquebrantável regularidade, materializando um símbolo: a atual onda de
manifestantes e black blocs que se
alastra pelo mundo, a insatisfação contra tudo e contra todos, mas sobretudo
contra a ordem instituída que Cristo imanta como ninguém. É a iconoclastia em
seu ponto ótimo, porém burro e fundamentalista.
A terceira é um
prodígio barroco: três maquinistas são necessários para fazer a enorme figura
estampada em plástico branco suar tinta e borrar-se, contorcer-se e, pouco a
pouco, se desfazer em pedaços, agudo emprego de recursos próprios ao teatro de
máquinas, seguido da inconfundível expressividade digna de grandes musicais e
shows do burlesco: a frase profusamente iluminada por incontáveis lâmpadas
faiscantes, uma epifania cênica das mais potentes. Todos esses recursos não são vagos nem
imprecisos. Foram buscados com meticulosa precisão pelo encenador e evidenciam
signos historicamente legíveis na história do teatro ocidental, a enciclopédia
disponível que a cena contemporânea utiliza.
É nesse sentido que as
cenas obedecem a um regime narrativo, encaixam-se como peças de um puzzle que,
pouco a pouco, vai revelando sua face – a da disseminação -, os múltiplos atributos
e qualidades da face divina. Convém não esquecer que fazer face possui diversas
acepções: estar voltado para; ficar em oposição a; não fugir frente ao perigo;
enfrentar; dar a solução ou o remédio a algo; arcar com os custos de; o que torna o conceito de Castellucci
multívoco e filosoficamente matizado, longe das simplificações.
É o que me é possível concluir
três dias após a ressaca provocada pelo espetáculo, tal sua densidade e impacto
sobre o terceiro olho.
* Edelcio Mostaço é
professor de Estética Teatral na Universidade do Estado de Santa Catarina
Viúva, porém honesta por Elisa Heidrich
Viúva, porém honesta. Peça
psicológica do nosso grande dramaturgo, Nelson Rodrigues, definida por ele como
"Farsa irresponsável em três atos". Para falar a verdade, acredito que este não é
um de seus melhores textos, ou melhor, não é daqueles que escreveu com sua
maior excelência. Trata-se de um texto despreocupado, sem grandes fidelidades
às regras de dramaturgia. Um texto descompromissado, onde o autor satiriza a
sociedade e seus valores, desmoralizando a figura do crítico teatral (que tanto
importunava suas obras) e colocando em cheque instituições como a família, a
medicina, a psicanálise e o jornalismo.
O
enredo é simples, porém com idas e vindas no tempo, utilizando o recurso do flash
back para contextualizar a trama. A situação inicial apresentada é a morte
prematura do marido da filha (de apenas quinze anos) do diretor de um
importante jornal do país, atropelado por uma carrocinha de Chicabon. O pai da
menina tenta convencê-la a seguir sua vida normalmente, deixar o luto e
casar-se novamente. Para isso, contrata uma ex-prostituta, um psicanalista e um
otorrinolaringologista, todos charlatães. Existe uma reconstituição da história
do casamento da menina, Ivonete, com o crítico de teatro, Dorothy Dalton,
homossexual e ex-detento de uma casa que abriga menores. Tal casamento só
acontece por conta de um falso diagnóstico de gravidez dado à menina. Uma vez
casada, Ivonete trai seu marido quatro vezes na sua noite de núpcias. Depois de
viúva, promete que nunca mais irá sentar. Trair um vivo tudo bem, mas
desrespeitar um morto, jamais. Aparece o personagem Diabo da Fonseca, que acaba
por ressuscitar Dorothy Dalton e, em troca, desposar Ivonete.
Tive
uma boa surpresa ao assistir ao espetáculo do grupo Magiluth de Pernambuco na
sua versão para o texto de Nelson. O espetáculo é interessante, surpreendente e
divertido do início ao fim. Ao entrar no teatro já fui surpreendida ao perceber
que o grupo pernambucano propunha uma encenação diferente da maioria dos
espetáculos guiados por textos do consagrado dramaturgo, Nelson Rodrigues. Atores
em cena conversando com o público que entrava, cadeiras com todos os adereços
necessários para contar essa história ao público. Talvez um cenário já visto em
diversas encenações contemporâneas, porém, inovador neste contexto. A encenação
simples conversa muito bem com a proposta farsesca bem investida pelo grupo
Magiluth.
A
escolha por não determinar um personagem somente para um ator é bem vinda e dá
dinâmica ao espetáculo, as trocas constantes de personagens contribuem para a
proposta farsesca de Nelson Rodrigues e também do grupo Magiluth. A escolha dos
adereços usados para representar os personagens nos diferentes atores é
acertada uma vez que seguem a simplicidade do cenário e contribuem para trocas
rápidas, vez que outra propositalmente mal executadas. O elenco é integralmente
masculino, o que já traz comicidade na interpretação dos personagens femininos.
Os cinco atores, presentes o tempo inteiro em cena, estão equilibrados e jogam
bem juntos. Em alguns momentos exageram no volume de suas falas, porém nunca
deixam o espetáculo cair ou criar a famosa “barriga”.
Em Viúva, porém honesta do grupo Magiluth,
o espectador é, a todo momento, lembrado de que está no teatro e de que tudo
que está vendo não faz parte da vida. A música escolhida para abrir o
espetáculo é Puro teatro, de La Lupe,
e já na sua letra diz o que o próprio título anuncia. O espectador é
surpreendido com um aquecimento partiturizado dos atores junto com a música. A
escolha de colocar o diretor em cena operando o som e a luz também faz parte
desta concepção, assim como momentos dos atores durante o espetáculo fazendo
comentários sobre a atuação.
O grupo
Magiluth desenvolve pesquisa continuada de linguagem desde 2004 em Recife. O
espetáculo Viúva, porém honesta foi vencedor do Prêmio APACEPE nas categorias:
melhor diretor, melhor ator (Erivaldo Oliveira) e melhor espetáculo de 2012.
* Elisa Heidrich é atriz, Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS
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Viúva porém honesta
Sobre o conceito da face no filho de Deus por Igor Simões
Sobre representações e a enorme solidão de ser humano
O Ator entra em cena
com a ajuda de dois assistentes. Seu corpo vibra uma fragilidade que
acompanhará o público até o ultimo segundo do espetáculo. Ao fundo e mirando o
público a enorme reprodução da pintura do italiano Antonello de Messina, que
durante o século XV ficou conhecido por difundir a técnica da pintura a óleo
por toda a Itália. A imagem nos revela um dos mais recorrentes temas da arte
até o século XIX: A face do filho de Deus. O Cristo de Messina é representação.
Ele se faz verdade enquanto arte. Deus e sua existência plasmada carne no
humano corpo do filho também pode ser pensado como uma representação repousada
sobre um gigantesco grupo de imagens, textos, escritos, arquiteturas que lhe
deram um valor de verdade. Da imagem que arrebatou os olhos do diretor italiano
Romeo Castelucci, que a encontrou em um livro de arte, até a experiência que
vivenciamos na noite de sexta no Theatro São Pedro, durante a segunda
apresentação do espetáculo Sobre o conceito da face no filho de Deus ecoam sentidos múltiplos que seguem vivos
e ressoando na mente de todos que ali estiveram. O trabalho parece cochichar
constantemente a nós o fato de que por mais que tenhamos inventado um Deus,
somos inegavelmente humanos. Há uma solidão inerente a toda desenho de vida do
homem e essa solidão é tão aterradora que, por vezes, faz criar amores,
paixões, deuses.
Não é fácil assistir ao
trabalho porque não é fácil estar diante de representações de etapas da vida
que se restringem ao privado, ao que é vivido entre paredes e não ganha
visibilidade num mundo repleto de imagens felizes e afirmativas. As
representações da velhice e suas dimensões ganharam o status de melhor idade.
Atravessam nosso estar no mundo como promessas de otimismo. São representações,
assim como o cristo de Messina.
Nosso primeiros Deuses
eram mais humanos e nos eram mais próximos em seus desvãos. Foi a igreja romana
que criou a cisão entre a alma e o corpo. Transformando a primeira em uma interioridade
a ser trabalhada, e relegando ao segundo o lugar de espaço da expiação, a
prisão que impedia a semelhança perfeita com o criador. As representações do
catolicismo viraram práticas de vida no ocidente e fizeram do primeiro e talvez
mais humano dos territórios - o corpo em todos os seus tempos, prazeres,
pulsões - a prisão que nos impedia a divindade. Talvez por isso aquele corpo tão
humano do velho pai e a dedicação, o cuidado e as contradições do filho são tão
grandes em sentidos: diante da face do filho de Deus, o único auxilio que vem
em direção ao velho pai é humano.
A plateia durante o espetáculo
se comporta como em um ritual. Há uma comunhão entre as pessoas que ligadas assistem
a dor da finitude e sua imensa solidão feitas com a delicadeza que o espetáculo
por fim emana. Quando o rosto do ator se cobre de excrementos é possível ouvir
por entre os homens e mulheres um tenso e discreto riso que soa como um
oxigênio, uma saída, um pequeno e breve atenuante para a dureza do que ali se
mostra.
Quando o filho se
dirige até a face representada de Cristo no fundo do palco, toda o silêncio dos
pedidos de auxílio não atendidos em horas de desespero ganha corpo diante do
público. No escuro que se segue ainda resplandece muda e cada vez mais imantada
de indagações a enorme face do filho abandonado pelo pai, jogado às dores e
crucificações e tão humanamente representado. Humano em seus olhos, humano na
barba, nos cabelos, humano na incapacidade de roubar aqueles dois indivíduos
das dores a que estão submetidos. Humano como o homem artista que o inventou.
Logo após a emblemática
cena das crianças jogando granadas na face representada do Cristo, surge diante
do público aquele que pra mim é um dos momentos mais eloquentes do
trabalho - entre tantos - falo de alguns breves segundo onde diante do público é
formado um triângulo entre o menino, a face do filho de Deus e o velho. Três
idades do homem. Toda a potência da infância, toda a possibilidade de ser e
criar um Deus e toda a fragilidade da vida que inventamos no nosso território
primeiro e último, o corpo.
Ao final do espetáculo,
quando a imagem/representação/Cristo é destruída diante dos nossos olhos, é como
se a afirmação da representação de um Deus, pastor e salvador se apresentasse
em toda a sua materialidade. É como se o
diretor nos afirmasse que tudo isso a que chamamos Deus é humano, é invenção, é
material e por isso só também é finito. Humano, invenção, materialidade: por
uma dessas manobras que a escrita permite e com a justaposição destas três
palavras poderíamos muito bem estarmos nos referindo a toda a arte produzida.
Ou melhor, a toda a arte como essa, que ali naquele encontro com toda a
fragilidade do existir mostra que a mesma necessidade humana de suplantar o
monstro da sua inerente solidão, talvez seja também o motor que anima criações
como esse impactante e inesquecível espetáculo da Socíetas Rafaello Sanzio.
* Igor Simões é ator e professor de
História, Teoria e Crítica da Arte na graduação em Artes Visuais- Licenciatura da Uergs
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