segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Anjos do Em Cena: César Figueiredo
Anjos “Em Cena”
Os anjos são figuras importantes em muitas religiões do passado e do presente, e o nome de "anjo" é dado amiúde indistintamente a todas as classes de seres celestes. Todos aceitam como fato sua existência, dando-lhes variados nomes, mas, às vezes, são descritos como tendo características e funções bem diferentes daquelas apontadas pelas tradições religiosas.
2010 – Porto Alegre
Num casarão do século XVIII, no bairro Menino Deus, e o nome do bairro já diz alguma coisa, pessoas foram selecionadas para umas das funções mais orgânicas de um festival de teatro. Nem todos conseguiram passar a etapa celestial do evento, mas os que passaram tiveram em mãos artistas de todos os lugares do mundo, repassando a dimensão de um festival, contribuindo com seus talentos angelicais e agregando seus conhecimentos de cicerones aos artistas que neles depositaram confiança e muito trabalho, fora um exercício de paciência e disponibilidade celestial. Anjos recebem tarefas, não reclamam, sorriem e ajudam, além de mostrar a cidade e encaminhar seus protegidos para que tenham a certeza de que farão o maior espetáculo de suas vidas.
Lidam com todo tipo de artista, desde o mais querido ao mais excêntrico, do mais passivo ao mais polêmico, dos que parecem anjos também, aos que lembram o próprio diabo. Assim, entre noites mal dormidas e bons restaurantes, entre hotéis sem água e teatros lotados, entre o bom humor e os fãs sem sorte, entre atrasos e lembretes da nossa chefe, caminhamos e corremos por corredores escuros. Celulares no silencioso pra não atrapalhar, piadas sem graça ou mesmo sem saber o que falar, estamos ali para servir e encaminhar os artistas até os produtores de palco, que nem sempre são anjos como nós.
Aos que servem de anjo sobram carinho e dedicação ao trabalho, muitos querem seguir na profissão de seus protegidos, outros querem o que escrever de suas vivências como anjo, eu por exemplo. Alguns gostam de estar perto de “stars”, outros estão pela grana para pagar as contas no final do mês, mas todos na sua função angelical.
Quando conhecem suas atribuições e fazem seu trabalho, traduzem a ideia de um festival, não importa se tudo deu certo ou não, ao final, nossa função tem que ser perfeita. Recebemos um fiel escudeiro que chamamos de motorista, sim, não podemos esquecer deste que nos carrega de um lado para outro e nos salva de situações quando mais precisamos. Nele depositamos nossas esperanças em relação ao tempo, ele pode nos prejudicar se não for de seu agrado, se senti enciumado por não receber atenção, parece engraçado, mas os motoristas, em muitas vezes, são a nossa salvação.
Não dormir, não atrapalhar, não se envolver, não criticar, não invadir, não duvidar, nem sequer mentir e, muitas vezes, não acreditar. São muitos "nãos" que temos que aceitar.
Vou citar um dia de anjo: recebo um envelope com informações de chegada no aeroporto, nomes e listas de pessoas que estão no ar, cansadas e de mau humor, não por conta do festival, mas pelos problemas dos seres humanos do cotidiano. Chegam e querem dormir, chegam e querem comer, chegam e querem conhecer, passear, fumar, beber e, na grande maioria, querem se isolar. Sim, faz sentido, o cansaço pede um bom descanso. Aguardamos o grupo no saguão do hotel para o almoço, recebemos a metade e temos que chamar a outra metade, levamos o grupo ao restaurante, ao teatro, saímos pra comprar coisas que faltaram e que geralmente são difíceis de serem encontradas, sorrimos enquanto ouvimos reclamações, ligamos pra base pra pedirmos ajuda e, por alguns segundos, às vezes, descansamos, e seguimos, sempre seguimos.... Passado alguns dias a convivência nos torna mais próximos desse artista e sempre terminamos chorando quando eles partem, seja por alegria de conseguir mais um amigo, seja pela felicidade de se livrar de gente chata, ou seja, por terminar nosso trabalho com dignidade.
Quando o avião sobe leva com ele nosso trabalho, nossa dedicação e a esperança de que, no ano seguinte, possamos conhecer pessoas bacanas que trazem, dos mais distantes cantos do mundo, sua arte para encantar e fazer sonhar nossos convivas.
Para os anjos, ficam a experiência de conviver com pessoas maravilhosas, de conhecerem seus limites, de dormirem pensando em trabalho e acordarem com um sorriso no rosto e quando ao final de um espetáculo somos lembrados e agradecidos em um palco, temos a nítida sensação que sim, temos nosso lugar reservado no céu por exercemos nossa função de forma celestial, afinal de contas somos os eternos “Anjos Em Cena”.
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César Figueiredo
Anjo pela 1ª vez no 17º Porto Alegre em Cena
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Anjos do Em Cena
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