terça-feira, 28 de setembro de 2010
Helena Mello #5: Electra
Foto: Guilherme Santos / PMPA
Escuta o meu suplício
Quando fui convidada para escrever sobre Electra, pensei em ler a peça. Ou deveria dizer reler? Uma das brincadeiras que surgiu durante o mestrado foi essa. Ao nos referirmos a autores famosos ou peças clássicas, deveríamos dizer “reler” para não dar atestado de ignorância. Aliás, imaginei que começaria o meu texto com informações sobre esta tragédia, dados históricos, algo que facilmente eu encontraria no sistema de busca mais poderoso do planeta, mas mudei de ideia. Primeiro quero dizer que o Teatro Renascença estava cheio. O que me fez questionar aonde vão todas estas pessoas quando não tem Porto Alegre em Cena. Tenho certeza de que muitos dos meus colegas atores que brigam para ter público durante os outros meses adorariam saber. Além disso, ao ver o espetáculo, pensei com saudade dos tempos em que lia em voz alta as tragédias gregas na minha casa, pois era a chance de ir descobrindo o texto, ir me surpreendendo com a capacidade dos autores e confirmando a genialidade deles. Eu não fazia nenhuma entonação, nem vozes diferentes para os personagens. Nem por isso suas falas eram menos impactantes. Porém, a versão uruguaia fez justamente o oposto.
Todos os atores, sem exceção, estão no palco dizendo cada palavra sempre um tom acima. Mesmo que eu não tenha lido o texto e meu espanhol não seja dos melhores, isso era, facilmente, identificado. E devo dizer que me incomoda muito. Dizer tudo, o tempo todo, como se fosse uma grande surpresa ou desgraça tira a importância de qualquer palavra. São os nuances que enriquecem e atraem. Uma incrível maldade sussurrada pode ser bem mais cruel do que dita aos gritos ou em prantos. Nesta montagem, não temos esta chance. Tirando o coro, os demais seguem a linha do excesso. Também não vi contracenação. Nem mesmo nas cenas em que os atores se abraçam e isso me surpreendeu. Tive a impressão que a peça era um grande recorte. Como se cada um houvesse ensaiado sozinho e, no último dia, houvesse se juntado.
Todos os atores me lembraram as antigas moças do tempo dos programas de televisão que mexiam o corpo apenas da cintura para cima e os braços até certo ponto. Ficavam para o coro os movimentos de dança, cuja proposta era que fossem idênticos, então, quando isso não acontecia sujava a cena. Novamente me fizeram lembrar de minhas aulas no Departamento de Artes Cênicas quando estudávamos o classicismo francês e havia todas aquelas regras de como o ator deveria se mover no palco. Lembro que recebi com espanto aquelas informações de que este só podia ficar de frente para a plateia, em certo ângulo e que outros gestos eram vistos como erros.
Quais são os pontos positivos? A estética. O cenário é interessante. Os tablados ocupam o palco e colocam os atores em níveis distintos. A luz também merece destaque. Mesmo não sendo fotógrafa, meus olhos imaginavam várias fotos lindas que ficariam ótimas em qualquer material de divulgação do espetáculo. O figurino força aquela ideia de teatro grego o que dá certa unidade e se não chega a contribuir muito, me dispensa de ver os personagens em calças jeans ou qualquer outra tentativa de deixar o espetáculo contemporâneo.
Porém, ao contrário de outras pessoas, acho que os textos gregos devem, sim, ser trazidos ao palco hoje. Só não confio muito em fazer isso tentando reproduzir o que foi naquela época em que não havia jeito de fotografar, filmar, colocar na internet. Difícil até para as pessoas que fazem pesquisa, como é o caso do meu sobrinho, João Alfredo Mello, que, ao participar da montagem de Antígona de Luciano Alabarse, como um guarda que entrava mudo e saía calado, fez questão de buscar informações sobre a postura deste soldado, o peso do seu escudo, etc.
Apesar de estar sendo bastante crítica, tenho certeza de que no Electra uruguaio há trabalho, longos ensaios, muitas discussões para chegar aquele resultado que, a mim, não arrebata.
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Helena Mello
Jornalista e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Autora do blog www.palcosdavida.blogspot.com
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