quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Miriam Beninga: Hilda Hilst - o espírito da coisa



Hilda Hilst – o espírito da coisa

A expectativa de assistir no palco textos de Hilda Hilst, escritora paulista (1930-2004), trouxe a minha memória sua figura de mulher irreverente e ousada, escritora quase maldita para a década de 70, autora com obras que se estendem de poemas a peças dramáticas. Conviveu com vários escritores famosos e com o nosso querido Caio Fernando Abreu, que morou durante um período na sua “Casa do Sol”. Sua obra Rútilo nada se aproxima do teatro do absurdo de Ionesco e ao teatro da crueldade de Beckett.

O texto da peça interpretada por Rosaly Papadopol é o resultado de uma vasta pesquisa e retrata o temas abordados por Hilda Hilst: o conflito existencial, a angústia, a solidão, a presença de Deus e a perplexidade do homem diante do mundo. Sozinha no palco, inicia o espetáculo com uma Hilda velha que conta sua história entremeado de textos, recordações e locuções. A atriz consegue passar o espírito inquieto, extravagante e atormentado da personagem. Em muitos momentos, segura a plateia com sua força de interpretação, mas, na minha percepção, poderia economizar os gestos dos braços e da voz gritada, mesmo que seja uma característica da personagem, assim como a voz infantilizada evocada várias vezes.

A direção de Ruy Cortez propõe, em alguns momentos, a quebra da quarta parede, que, confesso, não considero adequada, pois parece cair no riso fácil da plateia, não condizente com a proposta do monólogo. O cenário pecou pelo excesso, havia uma mesa pequena, à esquerda, com uma máquina de escrever, pontuando a profissão de Hilda. A outra mesa, à direita, ao fundo, grande e de madeira, ao lado de uma árvore, modelada por um tecido vermelho, com a parte superior cortada entre tronco e raiz, (simbolizando talvez a falta de conexão entre Deus e o homem?) brigou com a árvore no entanto. Assim como um galho vermelho, que servia para dependurar os figurinos, visualmente não funcionou. O figurino, um vestido curto que deixa as pernas da atriz à mostra, também, esteticamente, não favorece a atriz, que atuou com desenvoltura e força dramática.

Fica para mim, o valor do texto, a interpretação de Rosely e a importância de trazer para o público um trabalho sério, inspirado numa das grandes escritoras brasileiras.


*

Direção: Ruy Cortez / Dramaturgia: Gaspar Guimarães / Coordenação de dramaturgia: José Antônio de Souza / Concepção e Interpretação: Rosaly Papadopol / Voz em off: Antonio Abujamra / Figurino: Anne Cerrutti / Cenário: André Cortez / Gravação em vídeo, teaser e clip: Gustavo Haddad / Iluminação: Fábio Retti / Trilha sonora: Tunica / Música original: Édson Tobinaga / Assistência de produção: Barbara Thire / Direção de produção: Edinho Rodrigues / Produção: Maria Betania Oliveira / Realização: Samadhi Produções / Apoio cultural: Instituto Hilda Hilst / Duração: 1h15min / Classificação: 16 anos

*

Miriam Benigna Lessa Dias é Doutora em Educação na Linha de Pesquisa Estudos Semióticos da Natureza e da Cultura. É licenciada e bacharel em Artes Cênicas, diretora teatral e jurada em festivais há vários anos em diferentes regiões do estado.

Nenhum comentário: