sábado, 18 de setembro de 2010

Daggi Dornelles: Lonesome cowboy



Lonesome cowboy – da solidão ao todo

Normalmente, ao escrever sobre alguma expressão de arte, gosto de estudar a respeito: o histórico, o contexto, circunstâncias gerais de nascimento e trajeto. Esta localização é pano de fundo do retrato e, aqui, não cabe qualquer trato de imagem: o fundo é parte fundamental do todo e não há dignidade fora dele. A composição coreográfica de Saire e seus bailarinos mereceria este cuidado. Entretanto, falta-me o tempo desta dedicação; tentarei um comentário mais tosco, sem qualquer sentido pejorativo da palavra. Talvez, seja obra do tempo o fato de que as coisas menos e menos me arrebatam. E isto é bom! O arrebatamento pode, muitas vezes, saciar com igual perda do sabor. Então, com um demi-jejum, deixo o olho clínico ativo, sem que sua ação perturbe os outros olhos, do amante ao meditativo.

Ao sair do teatro, desejei escrever. Desejo nascido, essencialmente, do caráter que me arrebatou. Louca, declara o fim do arrebatamento e já o aclama! É que ocorre que não viajei apaixonada – ou plena de entusiasmo, pelo recinto onde desfilavam os cowboys. Estes mantiveram-me atenta; segui por suas trilhas, marcas e odores como um detetive atuando por puro gosto, sem contrato, ou recompensa. Nesta condição, o laudo não compete, não prova, apenas existe: avaliação amena de um instante vivido.

Começo por identificar os corpos como ação pós marcas clássicas. Então – e a despeito do tempo escasso, preciso pesquisar a trajetória dos bailarinos. Constato formação em dança contemporânea, de forma quase generalizada, e em conservatórios onde, seguramente, a dança clássica tinha seu espaço. Só isto já mereceria uma reflexão acerca de possíveis desconstruções pós experiência e vivência de técnicas diversas. Temos, ali – para além e aquém de nosso gosto ou escolha, corpos que ultrapassam as marcas das escolas, em prol de uma linguagem coreográfica. E repito, independente do nosso gosto.

Despidos destas marcas – e sem abanar qualquer outra bandeira de pesquisa de movimento, ou seja – desprendidos do possível estabelecido, movem-se, na condição admirável de corpos humanos a serviço da expressão de um conto cênico. Este, por sua vez, lançado pelo coreógrafo. E esta parece ser a mesma disponibilidade de toda a equipe: luz, cenário, figurinos, trilha, tudo é tosco – mesmo quando ensaia algum lampejo de entorno, de excesso. O tosco que aqui se manifesta é uma fartura de integridade, e mérito maior deste trabalho: um exercício de entrega, de confiabilidade, que jamais se estabeleceria sem um senso essencial de equipe e foco comum.

Sob esta ótica, e em linguagem absolutamente diversa – sem qualquer menção comparativa, pode-se também observar Tobari e tantas outras expressões cênicas que abordam o infinito simples\complexo – e já quase sem palavras – de nossa humanidade, em composições\constelações múltiplas, que parecem clamar EM e POR construções onde a solidão humana – no universo mais do que restrito de cada indivíduo – compactua, transcende e liberta a serviço de um todo que podemos já quase dizer: é expressão fraterna!

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Daggi Dornelles teve suas primeiras experiências em teatro na infância. Passou a dedicar-se à dança em meados dos anos 70. Viveu toda a década de 80 em São Paulo, onde atuava nestas duas áreas. Mudou-se para a Alemanha em 1989, onde fixou residência por quase 15 anos, intensificando seus estudos de dança e participando de várias produções, em funções diversas. Em mais de 30 anos de carreira, e no paralelo das produções para o espaço teatral, tem uma constante busca de experiências em espaços urbanos e alternativos, tendo recebido o Prêmio FUNARTE Artes Cênicas na Rua 2009, na área de registro e memória. Entre outros incentivos, recebeu a Bolsa Virtuose – MinC e a Bolsa Vitae de Artes, ambos focalizando estudos do corpo como partícula relacionada ao meio.

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