Foto: Cristine Rochol
Bons ingredientes nem sempre resultam em bons produtos...
Sempre vou a qualquer espetáculo de teatro torcendo e esperando que o artista tenha sucesso em sua empreitada não só por ele como por mim também. Criar grandes expectativas é bastante natural em frequentadores de um festival do porte como o POA Em Cena, mas que tenho evitado sentir nos últimos tempos.
Movida pela paixão que sinto pelo texto do grande Bernard Marie-Koltès, fui com grande expectativa (contrariando tudo o que acabara de dizer!) para assistir à peça Na solidão dos campos de algodão, sob a direção de Caco Ciocler. Escolhi o que julguei ser o melhor lugar e me encantei de cara com o ambiente criado, tanto pela iluminação, quanto pelo cenário (composto por enormes gangorras dispostas lado a lado, bem como por quadrados de tiras de madeira empilhados nos cantos das paredes e sacos de areia). De início, pensava que a ambientação da peça tinha caído como uma luva no nosso amado Cais do Porto. A brisa, o cheiro, a poeira, as pedras no chão, o clima de mistério... Enfim, parecia que o cenário havia sido criado especialmente para aquele local.
A cena inicial é impactante: um homem desesperado entra correndo por cima de uma das gangorras, enquanto que o outro homem, esbaforido, vem atrás dele. Por fatores de ordem da física (como peso e distância de ambos da alavanca), o primeiro homem se encontra na ponta de cima da gangorra, enquanto que o outro na ponta de baixo. Pelas falas, pelo figurino e pela intenção, estabelece-se logo que é Dealer quem estava correndo atrás do Cliente. A partir daí já se instaura a dinâmica das gangorras, alternando momentos de equilíbrio e de desequilíbrio destas conforme a situação da peça e dos personagens.
Ok. O visual é lindo, os atores são muito bons e seguros (com mérito para o ator que criou um Dealer, que é interessantíssimo), as falas dos personagens sem nomes nem referências passadas são realmente instigantes… Tinha tudo pra ser um espetáculo inesquecível, mas não, não foi isso que ocorreu. Depois de 30 minutos de espetáculo, vi rostos entediados (já que a disposição do público me permitia ver isso), bocejos, espectadores indo embora antes do final e eu mesma me percebi cansada a partir de certa altura do espetáculo.
Fiquei me questionando o porquê disso ter acontecido. Poderia dar a desculpa de que as arquibancas de madeira eram desconfortáveis. Até pode ter sido um agravante, mas certamente não foi o grande responsável pela dispersão do público. Em primeiro lugar, quero ressaltar que gosto muito do texto do Koltès, porém não o imagino sendo montado em grandes locais. É tão subjetivo, intimista, poético. Exige um maciço jogo de olhares entre os atores, fato este que se tornou raro tanto pela distância que eles costumavam ficar entre si quanto pelo movimento incessante das gangorras. Os momentos mais interessantes eram justamente quando ocorria a tal da contracenação. Aí está o ingrediente que foi escasso nessa montagem! Para complicar, a acústica do lugar não é das melhores. Mesmo utilizando microfones, diversas vezes, não se conseguia escutá-los.
Pois bem, pode parecer estranho o que vou dizer já que elogiei toda a parte visual, mas tenho a sensação de que o grande problema dessa montagem foi o fato do espetáculo ter se tornado refém das gangorras. Caíram na amardilha de utilizar sem cessar um cenário poderoso, imponente, bem concebido, mas mal utilizado. Entendo a metáfora de seu uso em relação ao texto, compreendo que é lindo vê-las se movimentando, percebo o quanto auxiliou os atores no que diz respeito ao estabelecimento de relações de poder entre as figuras. Entendo tudo isso. Entretanto, faltou encontrar a medida de utilização desse cenário que, em certa altura, parecia sublinhar o que era dito. Faltaram sutilezas nas intenções das falas e dos gestos, faltou a busca pelo público através do olhar, faltou o estabelecimento de relações entre si, faltou se perceberem mais.
No mais, fico com a sensação de que Na solidão dos campos de algodão tinha todos os ingredientes de uma grande peça. Porém, a falta da real medida desses ingredientes o tornou um produto um tanto embolorado...
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Eve Mendes, 23 anos, graduanda em Direção Teatral pelo DAD/UFRGS. Dirigiu os trabalhos Quem tem medo de Virgínia Woolf? e A serpentina ou meu amigo Nelson. Atualmente está no elenco de Marat/Sade, com estreia em outubro de 2010, pelo projeto Teatro Aberto.
Um comentário:
Adoro este texto e comprei meu ingresso movida pela expectativa de ver ela montado.
Me pareceu que a montagem limitou os significados explorados por Koltés. Explico: mesmo havendo fortes referncias sexuais, me parece que o texto nunca esclarece exatamente o que está sendo negociado e, para mim, este é o achado! Pode falar de encontros, desencontros, caminhos, desejo, mas o diretor reduziu muito todos estes significados ao dar destaque as ações de conotação mais sexual, bem como o ator ao dar uma interpretação por vezes quase caricatas ao Dealer (absolutamente nada contra, só acho que o texto aberto é mais rico).
Abraço,
Juliana Costa
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