Touché!
Fui ao teatro assistir ao espetáculo Lonesome cowboy com a expectativa de quem teve a oportunidade de participar do workshop com um dos integrantes do grupo, o espanhol Pablo Esbert Lilienfeld. Havia em torno de 20 pessoas na oficina oferecida pelo Porto Alegre em Cena. Pablo não abriu o clássico espaço para que as pessoas ficassem falando, eu sou, eu faço, eu acredito... Apenas perguntou nossos nomes. A proposta era, como eu percebi, durante três dias experimentarmos essencialmente desenvolver uma escuta de grupo. E isso é algo muito complexo somando-se o fato de que se tratava de um grupo em que as pessoas não se conheciam. Ele começou por propor exercícios de percepção do corpo em relação a si mesmo, do corpo em relação ao espaço e do corpo em relação à diferentes níveis de atenção. Foram realizados também jogos que envolviam o grande grupo, como um coro, em que, por vezes, um integrante saia e fazia um pequeno “solo”. Pablo insistia que “bonito o feo, me da igual”. Imagino que e o que ele buscava de cada um de nós era que estivéssemos em estado permanente de improvisação, cientes de que tínhamos o poder de decisão de observar o grupo, estarmos em cena “sem nada fazermos” ou agirmos, mas de forma a percebermos o grupo como um todo, e trabalharmos poeticamente a ideia de unidade formada por indivíduos.
Escrevo sobre a oficina para chegar às minhas impressões sobre o espetáculo, já que reconheci em cena alguns aspectos desenvolvidos nos encontros. Começo pela ambientação cênica, eficaz, condizente com a temática, ora com a luz nos olhos nos espectadores, como um sinal de alerta, ora um “lusco fusco” que deixava transparecer siluetas marcadas de homens com grande vigor físico. É impossível escrever sobre a obra sem contaminar-me, também, com as impressões que ouvi sobre o espetáculo e elas foram as mais diversas... No ponto de encontro do festival, conversei com um rapaz que eu não conhecia. Ele se autointitulou leigo em dança, e começou a sua fala da seguinte forma “Dança contemporânea... bom... É sempre aquilo, né?” e continuou falando como o espetáculo o tinha incomodado, que a luz era péssima, que, nos dez primeiros minutos, ele se esforçou para gostar, mas que depois, nossa... “eles não tinham técnica nenhuma!” O comentário dele me fez pensar se é necessário ser conhecedor de certos procedimentos da arte, neste caso específico, da dança contemporânea para fruir a obra. Será que se trata da eterna procura da representação? Não sei ao certo.
O que pude constatar é que a improvisação é utilizada como técnica de criação e a percepção corporal e espacial é o foco do trabalho. Desde o início do espetáculo, foi possível perceber a sutileza do procedimento utilizado, a escuta, os movimentos lentos, bem desenhados no espaço. De repente, aquele momento solene de preparação é rapidamente cortado por movimentos vigorosos, por corpos que desenham o chão, varrem toda a borracha sintética, mas que para mim era brita. Quem sentou na plateia alta afirma que há mais sentidos na visão dos desenhos feitos por eles, em passos que simulam lutas corporais. O que posso dizer é que fiquei com a atenção firme em quase todos os momentos do espetáculo, a cada nova proposição de movimentos, a cada nova disputa. Esperava ver um pouco mais de “sujeira” como resultado de um jogo de improvisação em tempo real, ao contrário, vi uma “limpeza” muito grande na movimentação cênica. Até mesmo demasiadamente distanciada em alguns momentos. De qualquer forma, foram os abraços que mais me arrebataram e me fizeram ler que os cowboys poderiam aproximar-se dos integrantes de clãs patrilineares, ligados à linhagem masculina, em que a os laços, às vezes, eram de natureza meramente simbólica e não apenas familiar.
Assisti à dança do Clã, de Philippe Chosson: Pablo Esbert Lilienfeld, Matthieu Guénégou, Mickaël Henrotay Delaunay e Richard Kabora, em 12 de setembro, um dia após a data fatídica que marcou a terra dos cowboys americanos, e a todos de uma forma em geral. A impressão que tive dos cowboys suíços é que, em seus corpos, há uma busca de se reconhecer no outro. Nessa busca acredito que eles não estejam solitários. O jogo em cena propõe apoiar-se no outro, jogar com o outro, tocar o outro, nos mais diversos sentidos. E foi assim que saí do teatro, tocada.
*
Daniela Aquino é Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, artista-pesquisadora do Grupo Gaia Dança Contemporânea.
Nenhum comentário:
Postar um comentário