quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Helena Mello #3: Um navio no espaço ou Ana Cristina César

Foto: Creative / PMPA

Ana Cristina César: uma estrela do mar

Creio que fazia um ano que não ia ao Teatro CIEE. Parece mentira... Um espaço muito bom, ocupado pela maioria de pessoas com mais de 50 anos que foram ver Um navio no espaço ou Ana Cristina César. Creio que o nome de Paulo José faz isso. Trata-se de um ator que tem o reconhecimento de muita gente há muito tempo. No meu caso, acho que demorei um pouco mais a dar valor para seu estilo de atuação sem exageros, mas tão autêntico. Paulo José é prova de que não é preciso gritar, esbravejar, chorar compulsivamente para transmitir uma emoção dilacerante. Mas não era para isso que ele estava ali naquele palco.

Não li a sinopse da peça. Como já disse, não gosto de prévias. Também fui atraída pelo nome de Paulo José e não estava errada. Afinal, é sua direção que deixa o espetáculo tão interessante, tão dinâmico, tão sensível. Isso tudo a partir de textos que são ditos pela única atriz que “contracena” com ele: Ana Kutner. Outra coisa que me agradou bastante foi a forma de usar as projeções, ou a câmera no teto que transmite o rosto da atriz em alguns momentos. Recursos que eu já havia visto antes em outros espetáculos, mas ali não estavam à-toa, nem demais.

Além disso, fico satisfeita quando um espetáculo conta algo que a gente não sabia, faz a gente ter acesso às informações que desconhecia. Nunca havia ouvido falar de Ana Cristina César e sai não apenas sabendo de quem se tratava, mas apreciando seus versos, sua maneira verborrágica de colocar para fora suas angústias, seus pensamentos. E olha que não é fácil trabalhar cenicamente um texto poético. Poesias não são aristotélicas e, não raro, espetáculos que insistem em trazê-las aos palcos, nos levam ficar tão perdidos quanto Ana Cristina e, se não chegam a nos dar vontade de nos matarmos, provocam, pelo menos a vontade de sair porta a fora. Mas não ali. A pergunta inicial da peça sobre o porquê da morte da poetisa se não chega a ser respondida é, ao menos, destrinchada. Saber que ela se matou deixa em nós um sentimento de perda de um talento de alguém que não suportou viver em terra firme e preferiu um navio para o espaço onde ela poderia ficar mais perto das estrelas.

Obs: Na noite em que assisti, ao final, Luciano Alabarse foi chamado ao palco por Ana Kutner e Paulo José que comentou ser o dia do aniversário de Caio Fernando de Abreu. Isso me fez lembrar das vezes em que vi este poeta esperando, como eu, o ônibus na parada da Getúlio Vargas com a Visconde do Herval ali no Menino Deus. Já havia lido Morangos mofados e me encantado quando pensava em falar com ele. Mas ainda não fazia teatro e acabava sempre me retraindo... Bem, mas foi muito legal o Luciano contar a história da placa que ele pretendia entregar para o Paulo José e que ficou pronta só na última hora e veio com erro de português. Ele explicou todas as tentativas fracassadas de corrigir. Daí, pensou em entregar a errada e depois trocar. Até que se deu conta de que, já que o teatro é uma arte de acertos e erros, o melhor seria entregar exatamente como estava. Esta decisão tornou o gesto muito mais significativo e foi bem divertido ver o Paulo José lendo em voz alta o erro e brincando com isso.

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Helena Mello
Jornalista e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Autora do blog www.palcosdavida.blogspot.com

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