quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Rodrigo Monteiro #16: Cuestión de principios



Foto: Ivo Gonçalves / PMPA

Convergência

Dois atores, uma sala. Um belíssimo texto, esse sempre muito importante ao teatro do sul da América do Sul. Walter Reyno interpreta o pai e Laura Sanchez a filha. Ele foi um militante dos Obreiros, um movimento esquerdista que lutava contra a ditadura, ao americanicismo, ao colonialismo. Ela é uma jornalista a serviço do capitalismo, pertencente ao mainstream, representante da classe média burguesa contra a qual o pai lutou a vida toda. O encontro precisa ter um motivo. Ele chama a filha, depois de anos de distanciamento, e pede que ela edite o seu livro de memórias. Ela nega e vai embora. Tempos depois, ela retorna. Tendo assinado um contrato, a jornalista oferecera à editora três temas e nenhum foi aceito. Ao citar a ideia do seu velho pai, a proposta foi aceita. Voltar atrás em sua decisão é questão de negócios.

O debate é totalmente argumentativo: ele e ela não concordam quase sempre. As lembranças dele são questionadas por ela enquanto fatos reais, a ética, a moral, a ideologia são chaves a cada nova reunião. As cenas são rápidas em contraponto com o ritmo que é sutil. Por baixo, das discussões sobre política, está a fuga de conversas sobre o relacionamento familiar, a vida pessoal e íntima. Até que, disso, não há como escapar.

Todos os elementos cênicos: cenário, luz, trilha, figurino, maquiagem, movimentação, tons de voz se apagam diante da história que está sendo contada. Cuestión de principios é um celebre exemplo de teatro dramático, em que todas as linhas são convergentes, em que os sentidos se hierarquizam em em uma ordem sistemática vertical. Então, analisar sua organização textual é sempre partir de um lugar único: o centro da história. O livro será impresso ou não?

Nenhum dos dois personagens é mais fraco que o seu opositor. Nenhum irá ceder e frase alguma ficará sem a devida resposta. A construção do personagem pai é cheia, carregada de nuances temporais. O jeito como Reyno caminha e fala, a forma como ele expõe o texto é forte em significância. Sanchez construiu sua figura de forma ereta, firme, clara. Não há nada de que se tenha dúvidas quanto ao que é dito ou mostrado. Ela é incisiva, cortante, ágil. Juntos, a faca e o queijo, a esquerda e a direita, a juventude e a sabedoria.

E, do lado de cá, uma plateia que se emociona, que se diverte, que aplaude o texto, a montagem, as interpretações, a vinda desse espetáculo ao 17º Porto Alegre em Cena.

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Texto: Roberto Cossa / Direção: Patrícia Yosi / Elenco: Walter Reyno e Laura Sanchez / Figurino: Nelson Mancebo / Cenário: Osvaldo Reyno / Iluminação: Carlos Torres / Trilha sonora: Fernando Condon / Duração: 1h10min / Classificação: 14 anos

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*Rodrigo Monteiro: Licenciado em Letras - Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.Bacharel em Comunicação Social - Habilitação Realização Audiovisual pela mesma universidade. E mestrando em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Jurado do Troféu Açorianos de Teatro 2010 e, também, do Troféu Braskem 2010, é autor do blog www.teatropoa.blogspot.com de Crítica Teatral de Porto Alegre

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