Foto: Guilherme Santos / PMPA
In on it: completamente envolvida
Assisti ao espetáculo In on it. É sempre um presente ver o trabalho do Enrique Diaz, que conheço do Porto Alegre Em Cena de outros carnavais. Não sei dizer qual foi a primeira vez que sua direção criativa, simples e viva me pegou de jeito. Se foi em A paixão segundo G.H. que me fascinou pela PAIXÃO que tenho por Literatura, se foi em Melodrama ou, talvez, em Ensaio.Hamlet, cuja Ofélia jamais esqueço com suas dezenas de cartas, seu garrafão de vinho azul com o que ela “se afogava” e um Hamlet de All Star vermelho, número 34 (porque pra mim era 34!). Ou, ainda, minha surpresa ao ver o ator Fernando Eiras na plateia do Elis Regina antes de começar a peça comentando assim, que nem um vizinho de porta: "Nossa, que estranho, senti um arrepio... Sabe que eu tenho medo de Fantasma. (Tempo) Pois é, Hamlet é uma peça de fantasma...” Ele falava de um jeito tão cotidiano que eu pensei: “Putz! Ele tem razão! Nunca tinha pensado nisso, não desse jeito!” O fato é que sempre que vejo o nome Henrique Diaz no Festival, garanto o ingresso e, lá no fundo, meu sonho de consumo é ser dirigida por ele quando crescer.
Mas, voltando ao In on it: Duas histórias se constroem no palco, situações propostas, trilha deliciosa de ouvir e com função no espetáculo. E mais a iluminação pontual do Maneco, outra criatura talentosa, cujo trabalho também conheci no Em Cena. Uma feliz combinação de elementos e, ao mesmo tempo, um palco limpo. Theatro São Pedro sem cortinas, outro sonho de consumo.
Dois homens, duas cadeiras e um casaco. A primeira relação: o que não faz um casaco bem usado no teatro? Lembrei imediatamente do espetáculo Le Costume, de Peter Brook, em que uma personagem com o casaco esquecido pelo amante posto em metade do seu corpo interpretava o amante e acariciava a si mesma, de forma poética e quase maliciosa.
Os dois homens contam uma história cujo personagem principal usa o tal casaco, mas os dois homens também têm uma história (isso chama a atenção da plateia, parece inusitado, mas contemporâneo). De repente, os dois brigam porque um está usando o “casaco” do outro. Agora o casaco não é mais personagem, tem dono! Esse é apenas um exemplo da teatralidade do espetáculo que, com poucos recursos bem utilizados na hora e na medida certa, tomam vida e cumprem a função de construir a ficção. Uma chave de carro verdadeira no final e nada mais. Mas antes disso, acontece muita coisa.
O espetáculo me envolveu de tal maneira que, enquanto estava ali me deleitando com o talento, a precisão e a naturalidade dos atores Fernando Eiras (o mesmo ator de Ensaio.Hamlet) e Emílio de Mello foi como se passasse um turbilhão de coisas na minha cabeça, no meu coração e na minha alma. E confesso que me permiti tal turbilhão devido ao próprio título da peça que, segundo nota da tradutora do texto, Daniele Ávila:
“A expressão “in on alguma coisa” quer dizer estar envolvido, estar por dentro, é quase um “ter culpa no cartório”, mas não chega a tanto. Pode ter uma conotação de ilegal ou, pelo menos, suspeito. Indica uma espécie de envolvimento que sugere uma responsabilidade, uma participação. A dramaturgia guarda isso, esse trunfo, até o fim: não se trata apenas de contar uma história que aconteceu com um personagem, mas de perceber o que move o outro personagem a contar essa história: ele está totalmente “in on it”. Assim, “in on it” é quase um estado, um ponto de partida e uma motivação. Difícil achar um título em português que tivesse tanta carga de significado em tão poucas letras”.
Fonte: http://inonit.wordpress.com/2009/04/27/nota-da-tradutora-1/
Sim, eu estou envolvida. Sim, estou motivada e tenho culpa no cartório. Vendo o espetáculo, eu pensava: é esse tipo de teatro que quero fazer, por que não estou fazendo? Ou, ainda, onde foi que eu me perdi, ou por que é tão difícil ser simples? Escutava as palavras do texto, escutava a história, via aquela dramaturgia calcada no jogo dos atores, e queria mais, e tinha mais, uma transcendência, uma coreografia divertida, um telefonema equivocado, um “vamo fudê” e um comentário do tipo: “Será que esse final tá bom?”. Tudo muito preciso, dentro do timing, os atores ali, falando com a plateia, fumando um cigarro que chega nas minhas narinas e ataca minha puta rinite. Vendo o espetáculo, mais relações. Lembrei do Roberto Birindelli me dizendo: “Quando você conta uma história, você se relaciona com ela, ela te provoca alguma coisa. Traga essa história pra perto de você! O que, em você, tem a ver com essa história?” E pensei: “Era isso que ele estava dizendo! Era disso que ele falava”
Lembrei também da Maria Lucia Raymundo que, na aula de interpretação, nos perguntava: ”Qual é o momento em que nos sentimos realmente vivos?” E, de repente, parei tudo e pensei no meu pai que morreu em um acidente de moto e percebi que nunca tinha pensado no que ele sentiu naquele momento. E, naquele momento, tentando imaginar/sentir tal sensação, me senti mais perto dele. O que será que ele sentiu?
Não consigo dizer mais nada, estou completamente envolvida.
IN ON IT
*
Elisa Lucas (www.elisalucas.com.br) é Bacharel em Artes Cênicas (UFRGS). Trabalhou com: Camilo de Lélis, Luciano Alabarse, Nestor Monastério, Roberto Birindelli, Roberto Oliveira e Inês Marocco. Desde 2004, apresenta Confesso que Capitu, dirigido por Roberto Birindelli. Assistido por mais de 9.000 espectadores, o espetáculo fez sua estreia internacional em 2010 em Sevilha (Espanha). Em 2009, a atriz estreou Histórias de uma mala só (Prêmio Tibicuera de Melhor Atriz), com direção de Vinicius Petry. Em sua formação, cursos com Philip Goulier, Thomas Leabhart, Miguel Crespi, Antonio Amâncio, Maria Helena Lopes, Luis Carlos Vasconcellos, Ivaldo Bertazzo, e outros.
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