sábado, 18 de setembro de 2010

Daniela Aquino: Cancionero rojo



Rojos

Confesso! Este espetáculo não estava na minha lista de compras do Porto Alegre em Cena. Por quê? Simplesmente porque é humanamente impossível ver tudo que o Festival oferece. De qualquer forma, a propaganda boca a boca funcionou direitinho comigo. Tive referências excelentes a respeito do trabalho, de pessoas às quais compartilho, normalmente, do senso estético.

E agora? Eu não tinha o ingresso e a sala Álvaro Moreyra é pequena, é um espaço para poucos espectadores. Joguei na rede virtual o meu desejo de assistir à peça e em seguida pesquei o ingresso. Tudo bem, neste dia, então, eu teria dois compromissos no Festival, ambos com duplas de atores, homem e mulher em cena. Os dois com estéticas e temáticas bem distintas e, igualmente, bem sucedidas, em minha opinião, refiro-me à Um navio no espaço ou Ana Cristina César e Cancionero rojo.

Bom, vamos ao Cancionero! Cheguei ao teatro, acomodei-me nas cadeiras da Álvaro em que as pessoas ficam bem juntinhas. Logo percebi que há no fundo do palco duas “pernas” ou painéis no cenário e nada mais. Eis que surgem dois palhaços de narizes pretos: ele com casaco verde, maleta e sapato. Ela com vestido, sapato e maleta. Ok, palhaços costumam ter maletas. A grande novidade, pelo menos para mim, foi a utilização cênica que eles deram a essas maletas. No início do espetáculo, eu pensei: “por que corri tanto atrás do ingresso?” Parecia que as propostas deles não se encaixavam, não funcionavam. Isso durou mais ou menos cinco minutos e, então, com recursos simples como giz e apagador, os dois iniciam um jogo em que remontam histórias, comuns a todos nós, com desenhos feitos nas maletinhas que complementavam a dramaturgia. Claro que o carisma de Darío Levin e a força cênica de Lila Monti, aliado às excelentes gags, me envolveram totalmente no espetáculo.

O trabalho dos atores é completo. Eles cantam em várias ocasiões, como, por exemplo, na hora do Hino da Internacional Socialista. Nesse momento, o título do espetáculo faz muito sentido para mim. A plateia é solicitada a cantar também, em vão. O que a deixa extremamente “magoada”. Os xingamentos de Una direcionados a nós pela nossa completa falta de engajamento gera muitos risos. Eles também dançam. Inclusive, Levin demonstra estar muito em forma, alongando sua perna ao máximo, demonstrando toda sua técnica hilária de bailarino.

As cenas em que eles estão na praia, ela com um biquíni desenhado com giz e ele se embebedando com diversos tipos diferentes de bebidas alcoólicas, passando pelo rum e chegando até o álcool puro, são extremamente engraçadas. Em contraponto, num momento de puro lirismo, eles chegam a formar a clássica imagem da Pietá.

Os dois escrevem em suas maletas:

VALO INTER

Para, depois, trocarem de lugar e formarem a palavra:

INTERVALO

Nesse momento, eles arrancam muitos risos da plateia, afirmando que nós podemos levantar ir ao banheiro, esticar as pernas, já que eles não vão fazer nada, absolutamente nada! Ela, então, nos informa que, na Argentina, país de origem da dupla, intervalo é algo muito usado, muito “fashion” e, por isso, eles resolveram adotar esse procedimento. Ao final, uma parte da plateia toma um banho com a água que voa da garrafinha dele.

Volta do INTERVALO.

Ela fica grávida, o que faz com que eles especulem a futura profissão do feto. Aqui, novamente, os dois cantam lindamente, a cada nova rima eles descobrem que, para cada profissão escolhida, para o futuro filho, há uma série de problemas sociais que o impossibilitaria de exercê-la. Por isso, decidem fazer uma viagem ao futuro, em busca de respostas que eles só acreditam ser possível encontrar em outra época. Chegando ao futuro, perguntam a alguém muito gordo que está por trás de uma luz misteriosa, por que há fome no mundo e outras grandes dúvidas da humanidade. Nada de respostas... Dessa forma decidem apagar o bebê, literalmente!

O segundo ato tem menos ritmo que o primeiro. A impressão que fica é que as gags poderiam ter sido um pouco mais enxutas. A grande sacada final é que o público finalmente toma conhecimento do que está dentro da maleta dela: o fruto proibido de Adão e Eva. O reencontro da inocência pode ser uma forma de entender o porquê da retirada do nariz preto e o surgimento do nariz vermelho, que estava por baixo do outro. O rojo pode representar a alma do palhaço, a própria maça ou, ainda, ter um significado que só interessa aos dois, como bem disse uma amiga minha.

Ah! E o cenário ao qual me referi no segundo parágrafo? Bom, ao longo do espetáculo, fiquei com a impressão de que se tratava de mais uma piada, mas ele cumpriu sua função em dois momentos.Primeiro, quando o palhaço limpa sua mão suja de sêmen imaginário e, no final, em que os dois saem de cena como se fossem mergulhar em uma piscina ou algo do tipo.

O espetáculo é bem construído na sua maior parte. Os atores são versáteis e suas presenças preenchem a cena de forma eficaz, mas concordo com quem disse que a utilização do nariz, no espetáculo, não era essencial. Se não houvesse nariz seria um ótimo espetáculo cômico de qualquer forma.


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Daniela Aquino é Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, artista-pesquisadora do Grupo Gaia Dança Contemporânea.

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